segunda-feira , 28 abril 2025
Lar África Sudão em agonia: dois anos de conflito e o imperativo da Paz
ÁfricaAngolaInternacionalÚltimas notícias

Sudão em agonia: dois anos de conflito e o imperativo da Paz

Hoje, 15 de Abril de 2025, o Sudão assinala dois anos desde o início de uma guerra civil que mergulhou o país numa das piores crises humanitárias do século XXI. O conflito, que opõe as Forças Armadas Sudanesas (SAF), lideradas por Abdel Fattah al-Burhan, às Forças de Apoio Rápido (RSF), comandadas por Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti, não é apenas uma luta pelo poder, mas um drama complexo com raízes históricas, dinâmicas regionais e consequências globais. Como especialista em Relações Internacionais e analista político, considero imperativo reflectir sobre o desenrolar desta tragédia, os entraves à sua resolução e as medidas necessárias para restaurar a paz num país que clama por justiça e estabilidade.

Um Conflito Enraizado na História e na Ambição

O conflito eclodiu em abril de 2023, mas as suas origens remontam à instabilidade que marcou o Sudão desde a independência, em 1956. A queda de Omar al-Bashir, em 2019, após três décadas de regime autoritário, trouxe esperança numa transição democrática. Contudo, o golpe de Estado de 2021, perpetrado por uma aliança instável entre SAF e RSF, interrompeu esse processo, revelando tensões latentes entre as duas forças. A rivalidade explodiu numa guerra aberta, inicialmente centrada em Cartum, mas que rapidamente se alastrou a Darfur, Cordofão e Nilo Azul, reacendendo clivagens étnicas e regionais.

Os números são devastadores: mais de 60 mil mortos, 10 milhões de deslocados internos e 2 milhões de refugiados em países vizinhos, como Chade e Sudão do Sul. A crise humanitária é avassaladora. Cerca de 25 milhões de sudaneses metade da população enfrentam insegurança alimentar, com casos de fome extrema em campos como Zamzam, em Darfur. O colapso do sistema de saúde, com 80% das unidades inoperacionais, agrava a vulnerabilidade de milhões, enquanto relatos de atrocidades, incluindo violência sexual e ataques a civis, chocam a consciência global.

A guerra não se limita às fronteiras sudanesas. Potências regionais e globais complicam a equação: as SAF recebem apoio do Egito e da Rússia, enquanto as RSF beneficiam do financiamento dos Emirados Árabes Unidos, atraídos por recursos como ouro e petróleo. Esta internacionalização transforma o Sudão num palco de rivalidades geopolíticas, onde interesses externos frequentemente sobrepõem-se ao sofrimento do povo sudanês.

Entraves à Resolução: Um Puzzle Complexo

A resolução do conflito enfrenta obstáculos profundos. Primeiro, a desconfiança absoluta entre SAF e RSF. Ambas as facções perseguem objectivos inconciliáveis, com as SAF a reclamarem legitimidade estatal e as RSF a consolidarem poder económico e territorial. Negociações, como as mediadas pela Arábia Saudita em Jeddah ou pela Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD), resultaram em tréguas efémeras, violadas quase de imediato.

Segundo, a fragmentação do conflito agrava a instabilidade. Além das duas forças principais, grupos rebeldes, como o Movimento de Libertação do Povo do Sudão-Norte (SPLM-N), e milícias locais intensificam a violência, sobretudo em Darfur, onde persistem tensões étnicas. Esta multiplicidade de actores torna qualquer acordo abrangente numa tarefa hercúlea.

Terceiro, a resposta internacional tem sido lamentavelmente insuficiente. Em 2024, apenas 20% dos 2,7 mil milhões de dólares solicitados pela ONU para ajuda humanitária foram angariados. A atenção global, desviada para crises como as da Ucrânia e Gaza, relegou o Sudão para as margens da agenda internacional, reduzindo a pressão diplomática sobre as partes beligerantes. Por fim, interesses externos perpetuam a guerra. O fluxo de armas e financiamento, aliado ao acesso a recursos estratégicos, garante às facções meios para prolongar os combates, numa lógica de guerra por procuração.

Caminhos para a Paz: Uma Abordagem Multidimensional

Apesar da gravidade da situação, a paz é possível com uma estratégia concertada. Primeiro, urge reforçar a mediação internacional. A União Africana (UA) e a IGAD, com apoio das Nações Unidas, devem liderar um processo inclusivo que envolva não apenas SAF e RSF, mas também grupos rebeldes, sociedade civil e comités de resistência sudaneses. Estes últimos, que têm desempenhado um papel crucial na assistência comunitária, são indispensáveis para garantir que as vozes das populações afectadas sejam ouvidas.

Segundo, é essencial impor sanções direccionadas e um embargo de armas rigoroso. O Conselho de Segurança da ONU deve sancionar líderes militares responsáveis por atrocidades e bloquear o comércio de armas que alimenta o conflito. Pressionar actores externos, como os que financiam as RSF, é igualmente crítico para reduzir a escalada.

Terceiro, a resposta humanitária deve ser priorizada. A comunidade internacional precisa de aumentar o financiamento para ajuda alimentar, cuidados de saúde e protecção de deslocados. A expansão de corredores humanitários, como a passagem de Adré na fronteira com o Chade, é vital para alcançar populações isoladas. Sem uma intervenção urgente, a fome e as doenças continuarão a ceifar vidas.

Por fim, a longo prazo, a paz exige a reconstrução da governação. Um processo político inclusivo, que retome a transição democrática interrompida em 2021, é fundamental. A criação de instituições legítimas, a desmilitarização do poder e a implementação de justiça transitiva inspirada, por exemplo, no Acordo de Paz de 2005 entre Norte e Sul são passos necessários para abordar as causas estruturais do conflito e evitar novos ciclos de violência.

Um Apelo à Solidariedade Global

O Sudão enfrenta uma crise que ameaça não apenas a sua sobrevivência enquanto nação, mas a estabilidade de toda a região do Corno de África. Ignorar esta tragédia seria uma falha moral e estratégica. A comunidade internacional, incluindo Portugal e a União Europeia, tem a responsabilidade de actuar. A história julgar-nos-á não pelas palavras, mas pelas acções que tomarmos para apoiar o povo sudanês na sua luta por dignidade e paz.

A guerra no Sudão não é um problema distante é um teste à nossa humanidade colectiva. Cabe-nos exigir mais financiamento humanitário, maior pressão diplomática e um compromisso genuíno com a inclusão e a justiça. Só assim poderemos transformar o segundo aniversário deste conflito num ponto de inflexão, não numa mera efeméride de sofrimento.

O conteúdo Sudão em agonia: dois anos de conflito e o imperativo da Paz aparece primeiro em Correio da Kianda – Notícias de Angola.

Fonte

Deixe um comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Artigos relacionados

África do Sul: Aliança Democrática obriga governo a recuar da intenção de aumentar o IVA

O Governo sul-africano anunciou nesta sexta-feira que decidiu não aumentar o IVA,...

Paradeiro incerto do leão que causou pânico na Nharêa condiciona acesso de camponeses às lavras

As famílias camponesas da três aldeias do Município da Nharêa, na província...

No Rio, carnaval virtual promove folia digital e revela novos talentos

A história do biólogo Ewerton Fintelman de Oliveira com o carnaval virtual...