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Negociações nucleares com o Irão: a diplomacia triangular entre Teerã, Washington e Moscovo

As negociações nucleares entre o Irão e os Estados Unidos, retomadas em 2025 sob a administração de Donald Trump, representam um momento crítico para a estabilidade do Médio Oriente e a não-proliferação nuclear global. A recente visita do chanceler iraniano, Abbas Araghchi, a Moscovo, onde buscou o apoio da Rússia antes de nova ronda de conversações em Roma, sublinha a complexidade de um processo marcado por desconfianças históricas, interesses geopolíticos divergentes e pressões internas e externas. Este artigo analisa o papel da Rússia como mediadora, as posições do Irão e dos EUA, e os desafios para um novo acordo nuclear, à luz das declarações de Araghchi e do ministro russo Sergey Lavrov.

Contexto das Negociações e o Legado do JCPOA

O Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA), assinado em 2015 entre o Irão e o grupo P5+1 (EUA, Rússia, China, Reino Unido, França e Alemanha), foi um marco na diplomacia nuclear, limitando o programa nuclear iraniano em troca do alívio de sanções económicas. Contudo, a retirada unilateral dos EUA em 2018, sob Trump, seguida da reimposição de sanções, levou Teerã a acelerar o enriquecimento de urânio, atingindo níveis de 60% próximos dos 90% necessários para uma arma nuclear, segundo a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Desde então, o Irã acumula estoques significativos de material físsil, levantando preocupações no Ocidente, especialmente em Israel, que ameaça ataques preventivos.

As negociações atuais, iniciadas em Omã em 12 de abril de 2025 e previstas para continuar em Roma a 19 de abril, visam um novo acordo que substitua o JCPOA. O Irã insiste que as conversações se limitem a questões nucleares, rejeitando discussões sobre seu programa de mísseis balísticos ou apoio a grupos como o Hezbollah e os Houthis. Já os EUA, representados pelo enviado Steve Witkoff, exigem controles rigorosos sobre o enriquecimento de urânio e a inclusão de “gatilhos” para armas nucleares, sob ameaça de ação militar caso a diplomacia falhe.

A Visita de Araghchi a Moscovo e o Papel Russo

A visita de Abbas Araghchi a Moscovo, em Abril de 2025, reflete a estratégia iraniana de coordenar posições com aliados estratégicos, como a Rússia, antes de enfrentar Washington. Araghchi elogiou o papel russo no JCPOA, destacando a cooperação histórica entre Teerã e Moscovo, que se intensificou desde 2022 com acordos de defesa e comércio. Segundo Araghchi, “sempre consultámos os nossos amigos russos sobre questões nucleares”, enfatizando a necessidade de um entendimento focado exclusivamente no programa nuclear, sem concessões em outras áreas. Ele também entregou uma carta do líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, a Vladimir Putin, abordando questões regionais e bilaterais, sinalizando a importância da Rússia como contrapeso aos EUA.

Sergey Lavrov, por sua vez, reiterou a disposição russa para mediar, afirmando que Moscovo está pronta a “contribuir para a resolução da situação por meios políticos e diplomáticos”. A Rússia, signatária do JCPOA, beneficia de um Irã forte como parceiro no confronto com o Ocidente, especialmente após a guerra na Ucrânia. Lavrov saudou o desejo de Teerã e Washington de alcançar “acordos objetivos” e sinalizou um possível encontro entre Araghchi e Putin, reforçando a influência russa no processo.

Posições e Desafios nas Negociações

O Irã entra nas negociações sob pressão interna e externa. A economia iraniana sofre com sanções, agravadas por novas medidas americanas contra a indústria petrolífera em 2025, enquanto protestos sociais desde 2022 expõem fragilidades do regime. Araghchi afirmou que o enriquecimento de urânio “não é negociável”, mas expressou abertura para construir confiança, desde que as sanções sejam suspensas. A oferta iraniana de transferir estoques de urânio altamente enriquecido para a Rússia, mencionada em círculos diplomáticos, poderia ser um gesto conciliatório, mas enfrenta resistências internas, dado o simbolismo do programa nuclear para a soberania iraniana.

Os EUA, por outro lado, adotam uma postura de “pressão máxima”. Trump, que descreve os líderes iranianos como “radicais”, ameaçou atacar instalações nucleares se não houver acordo até maio de 2025. Witkoff destacou que qualquer entendimento dependerá de verificações rigorosas pela AIEA, incluindo inspeções de mísseis e componentes de armas nucleares. Esta exigência colide com a posição iraniana, que vê tais demandas como uma violação da soberania.

A Rússia, embora mediadora, tem interesses próprios. Moscovo busca preservar sua parceria estratégica com o Irã, que inclui fornecimento de drones e cooperação energética, enquanto evita um conflito regional que poderia desestabilizar o Médio Oriente. Contudo, a Rússia também negocia com Trump sobre a Ucrânia, o que levanta questões sobre até que ponto Moscovo priorizará os interesses iranianos.

Implicações Regionais e Globais

O sucesso ou fracasso das negociações terá consequências profundas. Um novo acordo poderia aliviar sanções, estabilizar a economia iraniana e reduzir tensões com Israel, que intensificou ataques contra alvos iranianos na Síria e no Líbano. No entanto, a insistência americana em incluir mísseis balísticos e a relutância iraniana em ceder criam um impasse. Um colapso das conversações poderia levar a uma escalada militar, com Israel e os EUA considerando ataques às instalações nucleares iranianas, potencialmente desencadeando um conflito regional envolvendo o Hezbollah e outros proxies iranianos.

Globalmente, a Rússia e a China, aliadas de Teerã, opõem-se a sanções adicionais, enquanto a Europa, embora favorável a um acordo, critica a abordagem coercitiva de Trump. A AIEA, sob Rafael Grossi, desempenha um papel técnico crucial, mas enfrenta dificuldades em verificar atividades iranianas devido a restrições de acesso impostas por Teerã.

Crítica à Estratégia Diplomática

O otimismo russo e iraniano contrasta com o pessimismo de Khamenei, que declarou estar “muito pessimista” em relação aos EUA. A estratégia de Trump, que combina ameaças militares com promessas de acordos rápidos, arrisca alienar Teerã, que vê negociações sob pressão como “nem inteligentes, nem sábias, nem honrosas”. A exclusão de tópicos regionais, como exigido pelo Irã, limita a abrangência de um eventual acordo, enquanto a insistência americana em desmantelar capacidades nucleares ignora a importância do programa para a identidade nacional iraniana.

Para que as negociações avancem, é essencial que os EUA ofereçam garantias concretas de alívio de sanções e que o Irã aceite inspeções mais intrusivas. A Rússia, embora mediadora, deve equilibrar seu apoio a Teerã com a necessidade de evitar um confronto direto com o Ocidente. Um formato multilateral, envolvendo a Europa e a AIEA, seria mais eficaz do que conversações bilaterais sob alta pressão.

Conclusão

As negociações nucleares com o Irã, mediadas em parte pela Rússia, representam uma oportunidade para evitar um conflito catastrófico, mas enfrentam obstáculos significativos. A visita de Araghchi a Moscovo e o compromisso de Lavrov sublinham o papel estratégico da Rússia, mas não dissipam as tensões entre Teerã e Washington. Um acordo viável exigirá concessões mútuas, confiança na AIEA e um afastamento da retórica beligerante. Sem isso, o risco de escalada militar e instabilidade regional permanecerá elevado, com consequências imprevisíveis para o Médio Oriente e além.

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