segunda-feira , 28 abril 2025
Lar África Justiça cega: o colapso do cadastro criminal em Angola e a impunidade dos sem identidade civil
ÁfricaAngolaInternacionalÚltimas notícias

Justiça cega: o colapso do cadastro criminal em Angola e a impunidade dos sem identidade civil

O sistema de cadastro criminal em Angola enfrenta desafios estruturais profundos que comprometem a eficácia da justiça e a segurança pública. Entre as fragilidades mais evidentes, destaca-se a inexistência de um registo criminal abrangente, causado, em grande parte, pela falta de identificação formal de uma parcela significativa da população envolvida em actos ilícitos. O Bilhete de Identidade (BI), documento essencial para o cadastro, ainda não é acessível a todos os cidadãos, o que dificulta a rastreabilidade e a responsabilização dos infractores, tornando o sistema judicial vulnerável a falhas e inconsistências.

1. A Importância do Cadastro Criminal e as Suas Fragilidades

A ausência do BI entre os arguidos impede a recolha sistemática de impressões digitais e a criação de um banco de dados criminal eficiente. Sem um registo unificado e actualizado, a reincidência torna-se difícil de monitorar, permitindo que infractores escapem da justiça ou utilizem identidades falsas para evitar punições. Segundo Zaffaroni (2013), um sistema penal eficiente depende directamente da capacidade do Estado de identificar, registar e processar os indivíduos de forma justa e segura. Essa lacuna não apenas enfraquece a capacidade do Estado de administrar a justiça, mas também abala a confiança da população no sistema de segurança e no próprio funcionamento das instituições.

Foucault (1975) argumenta que a vigilância e o controlo da população são elementos fundamentais para a manutenção da ordem social, e um cadastro criminal falho compromete essa função do Estado, resultando numa justiça selectiva e desigual. Sem um mecanismo eficaz de identificação, o sistema penal angolano enfrenta dificuldades na formulação de políticas públicas eficazes para o combate ao crime, pois a ausência de dados estatísticos fiáveis impede a análise precisa dos perfis criminais e padrões de reincidência. Além disso, a falta de integração entre as bases de dados das forças de segurança e dos tribunais compromete a eficiência na identificação e monitorização dos infractores.

2. O Papel da Polícia Nacional na Integração dos Registos

Uma das instituições que deveria dispor de um sistema de comunicação electrónica directa com os serviços de registo civil é a Polícia Nacional, especialmente os serviços de investigação criminal. A falta dessa integração impede que os órgãos responsáveis pelo combate ao crime tenham acesso rápido e seguro aos dados de identificação dos cidadãos, dificultando a verificação de antecedentes e a localização de indivíduos suspeitos. Um sistema interligado permitiria a emissão imediata de Bilhetes de Identidade para arguidos sem documentação, assegurando que as suas informações fossem imediatamente cadastradas e partilhadas com as autoridades competentes. Tal medida reforçaria a eficiência da investigação criminal e reduziria significativamente os casos de identidade falsa e reincidência impune.

3. Biometria e Outras Formas de Identificação: Um Elemento Estratégico

A biometria e outras formas de identificação civil e criminal devem ser consideradas elementos estratégicos no processo de cadastro criminal. A introdução de sistemas biométricos, como impressões digitais, reconhecimento facial e análise de íris, possibilitaria uma identificação única e infalível dos indivíduos, dificultando a utilização de identidades falsas ou duplicadas. Esse tipo de tecnologia é já uma realidade em muitos países desenvolvidos, como os Estados Unidos, onde o FBI utiliza um banco de dados biométrico que integra impressões digitais e dados de outros identificadores para rastrear criminosos e solucionar crimes com maior precisão. A implementação de um sistema semelhante em Angola poderia revolucionar a forma como a justiça criminal é administrada, tornando-a mais eficiente e transparente.

A biometria, em particular, permite a identificação precisa dos indivíduos em qualquer ponto do território nacional, e sua aplicação no cadastro criminal seria essencial para garantir a consistência e fiabilidade dos registos. Além disso, a combinação de dados biométricos com outras formas de identificação, como o Bilhete de Identidade, poderia criar um sistema multifacetado de verificação de identidade que tornaria mais difícil a fraude e o uso de documentos falsificados. De acordo com especialistas em tecnologia da informação, a combinação de métodos tradicionais de registo com a biometria e outros avanços tecnológicos não só melhoraria a precisão dos dados, como também proporcionaria maior segurança no processo de identificação e registo de arguidos.

4. Experiências Internacionais e a Necessidade de Modernização

A implementação desse sistema requer não apenas vontade política, mas também investimentos significativos em tecnologia da informação e capacitação dos profissionais responsáveis pela administração da justiça e da segurança pública. A experiência de outros países demonstra que a digitalização e a centralização de dados criminais são passos fundamentais para garantir um sistema mais ágil e transparente. No Brasil, por exemplo, o Instituto Nacional de Identificação (INI), vinculado à Polícia Federal, mantém um banco de dados biométrico unificado que facilita a identificação de suspeitos e a realização de perícias criminais. A adopção de um modelo semelhante em Angola permitiria um rastreamento mais preciso dos indivíduos envolvidos em práticas criminosas e melhoraria substancialmente a coordenação entre os diversos órgãos responsáveis pela aplicação da lei.

5. Proposta de Reforma: Emissão Obrigatória do BI para Arguidos

Diante desse cenário, uma solução viável e urgente seria a obrigatoriedade da emissão do Bilhete de Identidade para todos os arguidos no início da fase de instrução processual. Esse procedimento garantiria que as impressões digitais fossem recolhidas e imediatamente inseridas no sistema de cadastro criminal, criando um mecanismo eficiente de rastreamento de antecedentes. Como destaca Becker (1968) em sua teoria da rotulagem, a formalização da identidade dos indivíduos permite um melhor acompanhamento dos desvios e facilita a implementação de estratégias correctivas adequadas.

Para a implementação dessa reforma, o Estado angolano precisaria estabelecer um protocolo que integrasse os órgãos da justiça, segurança pública e identificação civil. Isso incluiria a criação de postos móveis de emissão de BI dentro dos tribunais e unidades policiais, garantindo que nenhum arguido inicie ou conclua um processo judicial sem estar devidamente identificado. Além disso, seria essencial reforçar a digitalização dos cadastros e garantir que as informações sejam acessíveis às instituições relevantes. Segundo Garland (2001), a modernização dos sistemas criminais deve ser acompanhada de infra-estrutura tecnológica eficiente para evitar falhas processuais e garantir a transparência no processamento dos dados.

Finalmente, a modernização do sistema de cadastro criminal em Angola não apenas fortaleceria a justiça e a segurança pública, mas também contribuiria para uma gestão mais eficiente do combate ao crime e à reincidência. A implementação de um registo criminal robusto e actualizado permitiria um melhor planeamento estratégico para a redução da criminalidade e a protecção da sociedade como um todo. O fortalecimento das bases de dados criminais, aliado a uma política de identificação obrigatória dos arguidos, representa um passo crucial para garantir a integridade e a eficácia da aplicação da lei em Angola.

Além disso, é fundamental que o governo angolano desenvolva campanhas de sensibilização para conscientizar a população sobre a importância da obtenção do Bilhete de Identidade e da formalização da identidade civil. Muitos cidadãos não possuem BI devido a dificuldades logísticas e burocráticas no processo de emissão. A descentralização dos serviços de identificação, aliada a iniciativas de simplificação dos procedimentos administrativos, pode contribuir para que mais cidadãos sejam documentados e, consequentemente, registados no sistema criminal em caso de envolvimento em actividades ilícitas.

Por fim, a cooperação internacional pode desempenhar um papel importante na modernização do sistema de cadastro criminal em Angola. Países como Portugal e Brasil, que possuem experiências avançadas na digitalização de registos civis e criminais, podem oferecer apoio técnico e tecnológico para a implementação dessas reformas. O intercâmbio de conhecimentos e boas práticas entre nações pode acelerar a criação de um sistema mais eficiente, transparente e fiável para garantir que a justiça seja aplicada de forma justa e equitativa.

O conteúdo Justiça cega: o colapso do cadastro criminal em Angola e a impunidade dos sem identidade civil aparece primeiro em Correio da Kianda – Notícias de Angola.

Fonte

Deixe um comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Artigos relacionados

Conclave começa no dia 7 de maio; entenda como vai funcionar

O Vaticano divulgou na manhã desta segunda-feira (28) a data de início...

Brasil vai viver situação nova com reforma tributária, diz Haddad

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse hoje (28), em São Paulo,...

Brasileira está entre as vítimas de atropelamento no Canadá

Um motorista atropelou, em Vancouver, Canadá, mais de 30 pessoas, matando 11....

Espanha e Portugal são atingidos por falta de energia

A operadora da rede elétrica espanhola Red Electrica disse que estava trabalhando...