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O colapso silencioso da Administração Pública em Angola

1. Introdução: A Crise da Estratégia nas Organizações Públicas e Privadas

No actual contexto global, marcado por rápidas transformações tecnológicas, económicas e sociais, a ausência de uma cultura estratégica nas organizações revela-se um dos principais obstáculos ao sucesso institucional. Estudos conduzidos por Kaplan e Norton (2004) apontam que apenas 5% dos trabalhadores compreendem verdadeiramente a estratégia da sua organização, e menos de 10% das estratégias formuladas são efectivamente implementadas. Além disso, 60% das empresas não alinham o orçamento com a estratégia, e 85% das equipas de gestão gastam menos de uma hora mensal a discutir temas estratégicos.

Este cenário, longe de ser exclusivo do sector privado, espelha-se, e até se agrava, no âmbito da Administração Pública, particularmente em países em desenvolvimento como Angola. A inexistência de uma cultura organizacional orientada estrategicamente impede o Estado de alinhar as suas acções às necessidades reais da população e de garantir a eficiência das políticas públicas. Este artigo defende que, para fortalecer a capacidade do Estado angolano, é imprescindível criar e consolidar uma cultura de estratégia na Administração Pública.

2. Estratégia: Muito Além de Documentos e Planos de Intenção

A verdadeira essência da estratégia não se resume à elaboração de documentos pomposos ou planos de intenções irreais. Para Robert Kaplan e David Norton (2004), a estratégia deve ser “vivida, compreendida e executada em todos os níveis da organização”. Sem essa vivência prática e quotidiana, qualquer plano estratégico torna-se irrelevante.

No sector público angolano, ainda predomina a cultura do cumprimento formal de processos, onde o planeamento estratégico muitas vezes não passa de um exercício burocrático para preencher requisitos legais ou satisfazer financiadores internacionais. Como adverte Henry Mintzberg (1994), “estratégia é mais um padrão de acção do que um plano de intenções”. Ou seja, o que de facto importa é a coerência entre o que se planeia e o que se executa.

Sem uma cultura de execução estratégica enraizada, o Estado angolano arrisca-se a perpetuar programas e políticas públicas desconexas, incapazes de produzir melhorias sustentáveis para a sociedade.

3. O Estado Actual: A Fragmentação das Políticas Públicas em Angola

Em Angola, a fragmentação estratégica é um fenómeno evidente em diversos sectores. Programas sociais, projectos económicos, iniciativas de modernização administrativa e investimentos em infra-estruturas, muitas vezes, são implementados de forma isolada, sem a necessária articulação ou visão de longo prazo. Esta realidade revela:

Duplicação de esforços e desperdício de recursos públicos;

Falta de sinergia entre ministérios e administrações locais;

Dificuldade em medir o impacto real das políticas públicas;

Inconsistência e descontinuidade entre diferentes ciclos de governação.

Peter Drucker (1974), considerado o pai da administração moderna, já advertia: “Não há nada mais inútil do que fazer eficientemente aquilo que não deveria ser feito”. Esta reflexão aplica-se integralmente ao contexto angolano, onde a ausência de priorização estratégica compromete a entrega de valor público.

4. Construir uma Cultura Estratégica: Fundamentos Indispensáveis

Mudar esta realidade exige mais do que discursos ou reformas superficiais. Exige a construção paciente e consistente de uma nova cultura estratégica baseada em cinco pilares fundamentais:

4.1 Integração entre Planeamento, Orçamentação e Avaliação

John Bryson (2011), em Strategic Planning for Public and Nonprofit Organizations, enfatiza que a estratégia só é efectiva quando há alinhamento entre o planeamento estratégico, a definição do orçamento e a avaliação de resultados. Em Angola, é necessário romper com a prática de elaborar orçamentos desconectados dos grandes objectivos nacionais.

4.2 Capacitação e Formação Estratégica dos Servidores Públicos

A estratégia não pode ficar confinada aos altos escalões da Administração. Todos os níveis, desde os ministros até aos técnicos administrativos, precisam de ser formados em pensamento estratégico, gestão por objectivos e avaliação de impacto. Henry Mintzberg (2004) sublinha que “estratégia é competência prática”, e não mera teoria.

4.3 Criação de Fóruns Permanentes de Reflexão Estratégica

Para consolidar a cultura estratégica, é necessário institucionalizar espaços de debate estratégico nas repartições públicas. Reuniões periódicas para discutir metas, monitorizar indicadores e ajustar acções devem tornar-se práticas regulares, como defendem Kaplan e Norton (2008) no conceito de “Organizações Orientadas para a Estratégia”.

4.4 Transparência, Monitorização e Accountability

A execução estratégica deve ser constantemente monitorizada com indicadores claros e relatórios públicos. A prestação de contas (accountability) é essencial para garantir a confiança dos cidadãos e dos parceiros internacionais. Como ensina Jim Collins (2001), em Good to Great, “o que não se mede, não se pode melhorar”.

4.5 Comunicação Estratégica Efectiva

Toda a Administração Pública deve comunicar de forma clara e constante os seus objectivos estratégicos. O envolvimento dos cidadãos e dos próprios funcionários depende da capacidade de explicar, de maneira simples e inspiradora, para onde se pretende ir e como cada um pode contribuir para esse caminho.

5. O Papel da Liderança Estratégica na Transformação da Administração Pública

Nenhuma cultura estratégica se constrói sem lideranças comprometidas e visionárias. O verdadeiro líder público deve ser aquele que olha além do seu mandato, que planeia para as futuras gerações, e não apenas para os resultados imediatos.

Segundo James MacGregor Burns (1978), a liderança transformacional “eleva os interesses dos liderados, gera consciência sobre propósitos e motivações superiores, e conduz a mudanças profundas”. Este tipo de liderança é o que Angola precisa para implementar efectivamente estratégias de desenvolvimento inclusivo e sustentável.

A liderança estratégica implica coragem para estabelecer prioridades, determinação para romper com práticas ineficientes e compromisso ético para colocar o interesse público acima dos interesses pessoais.

6. Conclusão: Um Chamamento Nacional para a Estratégia

Angola encontra-se numa encruzilhada histórica. Para transformar a riqueza dos seus recursos naturais em bem-estar social efectivo, o país precisa urgentemente de uma Administração Pública estrategicamente orientada, com foco em resultados e capacidade de adaptação.

Adoptar uma cultura de estratégia não é apenas uma escolha técnica; é uma necessidade política, ética e moral. Como reforça Peter Drucker (1954), “o futuro pertence àqueles que se preparam hoje”.

O Estado angolano, se quiser ser catalisador de desenvolvimento, precisa liderar pelo exemplo, mostrando que é possível alinhar a visão estratégica, a acção eficaz e o serviço público de qualidade.

Não há mais espaço para improvisações. O futuro de Angola exige estratégia, exige planeamento, exige liderança. E exige, sobretudo, coragem para mudar.

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