Lar África A gestão de Recursos Humanos centralizada no MAPTSS: avanço ou recuo?
ÁfricaAngolaInternacionalÚltimas notícias

A gestão de Recursos Humanos centralizada no MAPTSS: avanço ou recuo?

1. Introdução: A Desarticulação da Gestão de Pessoal no Aparelho do Estado

A Administração Pública em Angola enfrenta um dos seus maiores desafios estruturais: a fragmentação da gestão de pessoal entre os vários ministérios e organismos do Estado. Cada órgão gere os seus recursos humanos com lógicas próprias, o que tem gerado disparidades gritantes no tratamento de carreiras, promoções, qualificações e remunerações. Essa realidade compromete os princípios de igualdade, mérito e eficiência que devem nortear o serviço público.

Autores como Max Weber (1946) já alertavam para os perigos da “burocracia desorganizada”, onde a ausência de hierarquia funcional clara e procedimentos padronizados gera desigualdade, clientelismo e desmotivação. Em Angola, a ausência de uma autoridade central eficaz na administração de pessoal tem exactamente este efeito perverso, minando a confiança dos servidores públicos no sistema e dificultando a implementação de reformas transversais.

2. A Necessidade de Reformulação: Para Além da Autonomia Fragmentada

A autonomia das direcções nacionais de recursos humanos dos ministérios, embora legítima na lógica da descentralização operativa, tem sido exercida sem a devida articulação estratégica. Isso resulta num mosaico de práticas, onde há ministérios com planos de carreira bem definidos e outros completamente desorganizados. Os critérios de promoção e reconhecimento não são claros ou homogéneos, gerando frustração entre os quadros e desincentivando o mérito.

Segundo Mintzberg (1993), organizações públicas que carecem de coordenação central são vulneráveis ao que chama de “síndrome da silotização”, onde cada sector actua como um silo isolado, dificultando a eficiência sistémica e comprometendo a entrega de serviços públicos com qualidade. É neste cenário que se impõe a reflexão sobre uma estrutura de gestão centralizada e harmonizada da administração de pessoal.

3. A Reconfiguração das Direcções de Recursos Humanos: De Estratégicas a Executoras

Com a criação de uma entidade central – neste caso, o Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTSS) – como responsável máximo pela administração de pessoal do Estado, as direcções de recursos humanos dos ministérios passariam a assumir uma função meramente executiva e administrativa. Estas seriam departamentos das Secretarias-gerais para actos correntes, como a efectividade, organização de dossiês individuais, gestão de férias e elaboração de mapas estatísticos.

Como defende Drucker (1999), “as decisões estratégicas devem ser tomadas no centro, onde há visão ampla, e não na periferia operacional”. Assim, o MAPTSS assumiria o papel de planificador e regulador do sistema de pessoal, garantindo uniformidade nos critérios de progressão, avaliação, capacitação e mobilidade funcional, o que reforçaria a justiça interna e o aproveitamento eficaz dos quadros públicos.

4. O MAPTSS como Guardião da Coerência Administrativa

É neste contexto que se propõe uma medida ousada e necessária: transferir toda a competência da administração estratégica de pessoal da função pública para o Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTSS), órgão que já detém atribuições legais e técnicas nesta matéria. A centralização estratégica permitiria uniformizar as políticas de gestão de carreiras, progressões, concursos, promoções, avaliações e mobilidade funcional.

Pollitt e Bouckaert (2011), ao analisarem reformas administrativas em diversos países, demonstram que “sistemas públicos eficientes são aqueles onde existe uma autoridade coordenadora forte, capaz de impor padrões, garantir a justiça e gerar sinergias”. Nesse modelo, o MAPTSS passaria a ser o cérebro do sistema, desenhando políticas únicas, monitorando sua aplicação e criando uma cultura organizacional coerente em todo o aparelho do Estado.

Neste mesmo espírito de recentralização normativa e técnica, importa destacar o Decreto Presidencial n.º 207/20, de 3 de Agosto, que institui a Escola Nacional de Administração e Políticas Públicas (ENAPP) como Entidade Recrutadora Única para a Administração Central do Estado e para os Institutos Públicos. Trata-se de um passo importante na profissionalização da função pública, promovendo maior transparência, isenção e mérito nos processos de admissão.

Contudo, essa medida, embora louvável, levanta desafios operacionais significativos para a ENAPP, como o redimensionamento do seu quadro de pessoal, a necessidade de infraestruturas e materiais de apoio modernos, bem como a definição clara de regras procedimentais padronizadas que garantam a eficácia e a imparcialidade dos concursos. Se tais obstáculos não forem superados, o risco é que a centralização da função recrutadora se transforme num entrave burocrático e ineficiente, ao invés de motor de qualidade e equidade no acesso ao serviço público.

A experiência da ENAPP, ainda em processo de consolidação, reforça o argumento de que, para além do recrutamento, também a gestão de carreiras e progressões carece de um centro unificado com capacidade técnica e normativa. Isso exige do MAPTSS não apenas a capacidade de desenhar políticas, mas também de fiscalizar sua implementação de forma uniforme, integrando esforços com entidades como a ENAPP, sem criar sobreposições ou lacunas funcionais.

5. Conclusão: Por Uma Administração Pública Mais Justa e Eficiente

A centralização da administração de pessoal no MAPTSS não representa um retrocesso na autonomia dos ministérios, mas sim uma acção estratégica para garantir equidade, profissionalismo e racionalidade na gestão de quadros públicos. A complexidade do Estado moderno exige coordenação e visão sistémica. É chegada a hora de Angola dar este passo corajoso.

Como salienta Bresser-Pereira (1996), “a reforma do Estado não se faz com a pulverização de competências, mas com o fortalecimento das estruturas centrais, que devem ser tecnicamente capazes, politicamente legítimas e funcionalmente coordenadoras”.

O conteúdo A gestão de Recursos Humanos centralizada no MAPTSS: avanço ou recuo? aparece primeiro em Correio da Kianda – Notícias de Angola.

Fonte

Deixe um comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Artigos relacionados