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Funerais proibidos, dignidade negada: o luto criminalizado em Angola

1. O Culto Fúnebre como Espelho da Sociedade

Em qualquer sociedade, a forma como se tratam os mortos é um espelho do respeito que se tem pelos vivos. Em Angola, os cultos fúnebres representam muito mais do que simples cerimónias. São momentos de profundo significado espiritual, familiar e comunitário. É nestes rituais que os valores da solidariedade, da pertença e da continuidade da memória ganham forma.

No entanto, nos últimos tempos, têm sido tomadas decisões que ameaçam comprometer este património imaterial e fragilizar ainda mais as populações vulneráveis. Os funerais, para muitos angolanos, são mais do que despedidas: são expressões de identidade cultural e espaços de reafirmação dos laços colectivos.

2. Proibições sem Alternativas: Uma Política Desconectada da Realidade

A recente proibição do uso de carrinhas no transporte de pessoas para os cemitérios, sob o argumento da segurança no trânsito, gerou um sentimento legítimo de revolta e frustração. Embora a segurança rodoviária seja uma preocupação relevante, esta não pode ser imposta à margem da realidade concreta do povo.

A ausência de alternativas eficazes e acessíveis de transporte revela o quão distante se encontram algumas políticas públicas da vida real das comunidades. Como sublinha Amartya Sen, prémio Nobel da Economia, “a liberdade de participação nas práticas culturais é um elemento essencial da justiça social”. Sem garantir meios alternativos, o Estado incorre numa exclusão que fere direitos humanos elementares.

3. O Valor Social e Espiritual do Luto

Os cultos fúnebres, para além do seu carácter espiritual, funcionam como rituais de cura emocional, reconstrução do laço social e preservação da identidade. Segundo o sociólogo Émile Durkheim, “os rituais colectivos fortalecem a coesão social e reforçam a solidariedade entre os membros de uma comunidade”.

Neste sentido, o tratamento dado ao transporte fúnebre não pode ser visto como uma simples questão de logística ou de ordem pública. Trata-se, acima de tudo, de um assunto de dignidade humana e respeito pela dor do próximo.

4. O Estado como Guardião da Dignidade no Luto

O Estado, enquanto guardião do bem-estar colectivo, não pode limitar-se a emitir proibições. Deve ser parte activa nos momentos mais dolorosos da vida dos cidadãos. O acompanhamento institucional dos cultos fúnebres — seja através de apoio logístico, seja através da presença simbólica das autoridades — é fundamental para reforçar o sentido de pertença do povo à Nação.

É essencial que a acção governamental seja mais empática e próxima, promovendo inclusão e respeito, sobretudo em situações de luto, que expõem a vulnerabilidade humana.

5. Propostas para uma Estratégia Pública de Apoio ao Luto

Face à actual realidade, torna-se urgente a construção de uma estratégia pública integrada para os cultos fúnebres, que envolva:

A regulamentação sensível e participada do transporte de pessoas durante os funerais;

A criação de unidades móveis de apoio aos funerais comunitários;

O reforço do diálogo com líderes religiosos e tradicionais para melhor compreender os significados destes rituais;

A integração dos sectores do social e da mobilidade urbana na resposta às necessidades do povo enlutado.

6. Governar é Cuidar dos Momentos de Fragilidade

O pensador africano Achille Mbembe recorda que “governar é também cuidar dos momentos de fragilidade da vida humana”. O luto é, por excelência, um desses momentos. Legislar sem escutar, sem ver, sem sentir, é perpetuar a desigualdade e institucionalizar a indiferença.

A dor da perda já é, por si só, um fardo pesado. Quando a isso se junta a humilhação de não poder acompanhar com dignidade os restos mortais de um ente querido, por falta de meios ou por decisões insensíveis, instala-se um sentimento de abandono profundo.

7. Conclusão: A Dignidade como Pilar da Justiça Social

Uma sociedade que abandona os seus na morte está, aos poucos, a perder a alma. Urge, portanto, uma mudança de postura. O Governo deve assumir um papel mais proactivo, mais humano e mais solidário nos cultos fúnebres. Que se deixe de olhar para o povo como um problema a controlar e se passe a vê-lo como uma comunidade a cuidar.

Porque para dar valor ao luto, é preciso dar dignidade à despedida. E essa dignidade só se constrói com respeito, empatia e justiça social.

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