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Segurança pública, recrutamento à porta fechada?

O século XXI trouxe novos desafios à governação interna dos Estados. As questões relacionadas à segurança, mobilidade humana, protecção civil e ordem pública impõem aos Estados modernos o dever de estruturar corpos de segurança profissionalizados, eticamente orientados e funcionalmente justos. Em Angola, o Ministério do Interior, enquanto superestrutura que tutela a Polícia Nacional, o Serviço de Investigação Criminal (SIC), os Serviços de Protecção Civil e Bombeiros, os Serviços Prisionais, o Serviço de Migração e Estrangeiros (SME), entre outros, carece de um novo paradigma na gestão de pessoal.

A proposta que aqui se apresenta é clara: urge a criação de uma Unidade Técnica Nacional de Recrutamento, Selecção e Gestão de Carreiras, que seja autónoma, técnica, transparente e subordinada à Casa de Segurança do Presidente da República. Esta unidade deverá centralizar a gestão dos efectivos de todos os serviços operacionais acima referidos.

1. O actual estado das coisas: desigualdade e fragmentação institucional

Cada um dos serviços do Ministério do Interior gere, de forma autónoma e por vezes opaca, os seus processos de admissão, progressão e formação. Esta fragmentação tem provocado:

Critérios díspares de recrutamento;

Promoções sem base em mérito ou avaliação de desempenho;

Casos recorrentes de favoritismo e clientelismo;

Quadros altamente capacitados preteridos em detrimento de outros menos preparados;

Perda da confiança interna e desvalorização do esforço profissional.

Tais fenómenos comprometem a eficácia do Estado. Chiavenato (2014) refere que “a ausência de um sistema de gestão de pessoas integrado e baseado no mérito gera desmotivação, baixa produtividade e conflitos internos crónicos”.

2. A proposta: unidade técnica única para os serviços tutelados pelo MININT

A criação de uma Unidade Técnica Nacional, sob a égide da Casa de Segurança do Presidente da República, visa garantir a padronização e profissionalismo na gestão dos recursos humanos da segurança interna. Esta unidade será responsável por:

Recrutamento e selecção técnica e imparcial dos efectivos da Polícia Nacional, SIC, Bombeiros, Serviços Prisionais, SME e demais órgãos do MININT;

Gestão de carreiras unificada, com base em critérios objectivos e transparentes;

Avaliação contínua de desempenho e mobilidade funcional;

Digitalização e modernização do sistema de gestão de pessoal;

Separação clara entre as fases de selecção e de formação técnica.

Como defende Max Weber (1922), “a racionalidade burocrática exige especialização, impessoalidade e padronização dos procedimentos administrativos”.

3. O papel das academias: formação e não selecção

A nova arquitectura institucional propõe que:

As academias de polícia, de bombeiros, de formação prisional, migratória e investigativa sejam dedicadas exclusivamente à formação técnico-operacional;

A admissão nas academias será feita unicamente após aprovação técnica na unidade central;

Estas instituições focar-se-ão na transmissão de competências práticas, disciplinares e deontológicas, garantindo a qualidade formativa.

Segundo Henri Fayol (1916), “cada unidade funcional deve ser orientada para um objectivo claro, com responsabilidades bem definidas para evitar confusões administrativas”.

4. Exemplos internacionais de boas práticas

Canadá: gestão unificada do pessoal da imigração, polícia federal e serviços prisionais, com centros próprios de formação após concurso nacional técnico.

Portugal: os serviços de migração (SEF), polícia (PSP/GNR), bombeiros e guardas prisionais têm critérios nacionais centralizados. As escolas apenas formam quem passou por concurso público técnico.

Brasil: o Departamento de Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal seguem modelo centralizado com concursos públicos e avaliação de desempenho.

África do Sul: possui um sistema integrado de gestão dos serviços de segurança e imigração, com forte aposta em digitalização e avaliação contínua.

5. As vantagens para Angola

A centralização técnica da gestão do pessoal trará:

Uniformização de critérios de entrada e progressão;

Valorização do mérito e da competência técnica;

Combate ao favoritismo e à corrupção nos quadros;

Planeamento estratégico das necessidades humanas por região e por tipo de serviço;

Aumento da confiança pública nas corporações de segurança e ordem pública.

Ferlie et al. (1996) afirmam que “reformas eficazes no sector público exigem rupturas com modelos ultrapassados e aposta em estruturas com foco na eficiência e transparência”.

6. Caminhos institucionais para a implementação

Criação legal por via de Decreto Presidencial e regulamentação específica;

Integração gradual dos serviços na Unidade Técnica, com base em cronograma e auditorias funcionais;

Recrutamento de especialistas em gestão pública, recursos humanos, direito, TIC, avaliação de desempenho e políticas de segurança;

Criação de um sistema digital nacional para monitoramento de carreiras (e.g. SIGPEC – Sistema Integrado de Gestão de Pessoal e Carreiras);

Cooperação internacional com organismos como INTERPOL, OIM, PNUD e academias especializadas.

7. Conclusão: Profissionalizar para servir melhor Angola

A criação de uma Unidade Técnica Nacional para os serviços do Ministério do Interior, representa um passo histórico no sentido da modernização e justiça funcional do sector da segurança. Mais do que uma reforma administrativa, trata-se de uma mudança cultural e institucional profunda, com impactos na eficiência do Estado, na integridade funcional e na confiança dos cidadãos.

Como escreveu Peter Drucker (1999), “não existem países subdesenvolvidos, mas sim países subgeridos”.

Angola precisa de coragem institucional para profissionalizar as suas forças de segurança, proteger melhor os seus cidadãos e respeitar os seus servidores públicos.

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