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A ilusão da modernização sem planeamento na Administração Pública angolana

1. Introdução: Desafios da Modernização Administrativa em Angola

No contexto de transformação digital global, os governos enfrentam o desafio de modernizar as suas estruturas administrativas sem perder a essência da sua missão pública. Em Angola, os esforços de informatização da Administração Pública têm-se intensificado, com projectos de impacto em sectores como finanças, saúde, justiça, educação e registos civis. No entanto, o que se constata é que, apesar do investimento considerável, os ganhos em eficiência, integração e qualidade do serviço público permanecem limitados.

Sistemas são criados sem conexão entre si, dados não são interoperáveis, os usuários muitas vezes não são capacitados, e os projectos acabam por ser descontinuados com as mudanças nos ciclos políticos. Há uma fragilidade evidente na governança das tecnologias de informação, marcada pela ausência de políticas consistentes, planos estruturados e mecanismos de avaliação de impacto.

Neste cenário, o Planeamento Estratégico de Sistemas de Informação (PESI) impõe-se como uma ferramenta imprescindível. Muito além de uma técnica, o PESI representa uma abordagem de gestão integrada, que posiciona a tecnologia como alavanca do desenvolvimento institucional e do serviço público de qualidade.

2. O Que é o PESI e Por Que é Essencial para o Estado

O PESI é um instrumento metodológico e estratégico que orienta as organizações, públicas ou privadas, no processo de análise, definição e implementação de soluções de TI/SI alinhadas às suas metas institucionais. Trata-se de um plano que responde a três grandes perguntas:

1. Onde estamos? (diagnóstico)

2. Para onde queremos ir? (objectivos estratégicos)

3. Como vamos chegar lá? (acções, investimentos, governança e indicadores)

A aplicação do PESI evita improvisações tecnológicas, projectos duplicados e desperdícios de recursos. Ao invés de soluções isoladas e reactivas, o PESI propõe uma visão sistémica, onde cada componente tecnológico responde a uma finalidade clara e mensurável. É a transição da mera informatização para a inteligência institucional apoiada por dados e sistemas de informação estratégicos.

3. O Retrato Actual da TI na Administração Pública Angolana

A realidade de muitos órgãos e serviços públicos em Angola ainda está marcada por:

Sistemas desenvolvidos de forma isolada, sem padronização nem interoperabilidade;

Dependência de fornecedores externos sem plano de transferência de conhecimento;

Falta de continuidade dos projectos com as mudanças de direcção política;

Resistência interna à mudança e fraca adesão dos utilizadores;

Investimentos em equipamentos ou software sem estudos prévios de viabilidade.

Estes desafios não são técnicos, apenas. São, acima de tudo, problemas de ausência de planeamento estratégico. Quando não se planeia, a tecnologia deixa de ser solução e passa a ser mais um obstáculo burocrático.

4. As Vantagens do PESI para o Sector Público

Ao integrar o PESI como prática comum na Administração Pública, o Estado passa a beneficiar de:

Alinhamento institucional, garantindo que os sistemas sirvam às metas de governação;

Integração entre sectores, permitindo troca de dados entre ministérios, províncias e autarquias;

Melhoria da qualidade da decisão, com base em dados fiáveis e oportunos;

Eficiência na gestão de recursos, evitando gastos duplicados e sistemas obsoletos;

Transparência e controlo, com maior capacidade de auditoria e prestação de contas;

Confiança do cidadão, pela melhoria da prestação dos serviços públicos.

A experiência internacional demonstra que nenhuma transformação digital governamental é bem-sucedida sem uma base sólida de planeamento estratégico e gestão de sistemas de informação.

5. Modelo Proposto de PESI para a Administração Pública Angolana

Para que o PESI seja uma realidade viável e eficaz no contexto angolano, propõe-se o seguinte modelo adaptado:

1ª Etapa – Diagnóstico da Situação Actual: Mapeamento dos sistemas existentes, inventário de equipamentos, competências técnicas, cultura organizacional e problemas operacionais. Essa fase deve envolver todos os níveis: político, técnico e operacional.

2ª Etapa – Definição de Directrizes Estratégicas: Estabelecimento de princípios e normas: interoperabilidade, segurança, soberania digital, uso de software livre, políticas de dados abertos, entre outros. Estas directrizes devem estar alinhadas ao Plano Nacional de Desenvolvimento e à Estratégia de Governação Electrónica.

3ª Etapa – Levantamento das Necessidades de Informação: Identificação dos processos administrativos prioritários que devem ser digitalizados, das necessidades de informação para tomada de decisão, e dos serviços públicos que devem ser automatizados com maior urgência.

4ª Etapa – Priorização e Arquitectura de Soluções: Agrupamento dos projectos segundo critérios de impacto, urgência, custo e viabilidade. Elaboração de um mapa de sistemas interligados, por áreas: saúde, educação, finanças, justiça, etc.

5ª Etapa – Estudo de Viabilidade: Avaliação de viabilidade técnica, legal, financeira e social. Esta etapa garante que só sejam executados projectos sustentáveis e alinhados ao interesse público.

6ª Etapa – Plano de Implementação e Capacitação: Definição de cronogramas, equipas, fontes de financiamento e parcerias. Implementação de planos de formação de quadros e fortalecimento institucional dos departamentos de TIC.

7ª Etapa – Monitoramento e Avaliação: Criação de indicadores de desempenho e impacto, com sistemas de acompanhamento contínuo. Inclusão de auditorias técnicas e sociais. Revisão periódica do PESI com base em resultados.

6. Considerações Finais: Um Estado Mais Inteligente e Mais Humano

O desenvolvimento sustentável de Angola exige uma Administração Pública moderna, eficiente e centrada nas pessoas. Isso só será possível com uma base digital sólida, governada por princípios de integração, eficiência e propósito. E para isso, o PESI deve ser institucionalizado como ferramenta de gestão obrigatória e transversal.

O futuro da governação não será apenas digital: será planeado, orientado a resultados e centrado no cidadão. O PESI é a ponte entre a tecnologia e a boa administração, entre o investimento e o impacto, entre o presente e o futuro.

Angola tem os recursos humanos, a experiência acumulada e a visão estratégica necessária. Resta apenas dar o passo decisivo: planear antes de implementar. E implementar com inteligência, compromisso e responsabilidade.

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