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Administração pública de Angola: exige excelência no atendimento ao público, ignora os funcionários

A Administração Pública contemporânea encontra-se diante do imperativo de alinhar os seus serviços aos princípios da eficiência, eficácia e efectividade, consagrados na Nova Gestão Pública (NGP). Num cenário de crescente exigência dos cidadãos por qualidade, transparência e celeridade nos serviços públicos, a valorização do capital humano assume um papel central. Nesse contexto, o marketing interno ou endomarketing desponta como instrumento estratégico de gestão, indispensável à construção de uma cultura organizacional comprometida com a excelência no atendimento ao cidadão.

A Administração Pública, ao contrário da percepção tradicional, não deve ser apenas reativa e normativa, mas também proactiva e orientada para resultados. É nesse ponto que o marketing interno se apresenta como uma ferramenta de gestão que permite internalizar a missão, visão e valores institucionais, transformando os funcionários públicos em agentes de inovação e embaixadores da imagem institucional.

1. Conceito e Fundamentação Teórica do Marketing Interno

O marketing interno, de acordo com Grönroos (1994), consiste num processo contínuo de comunicação e alinhamento entre os objectivos institucionais e os colaboradores da organização, com o intuito de promover a motivação, o engajamento e a entrega de valor aos usuários finais. Em termos práticos, isso implica numa gestão intencional das relações internas, com foco no desenvolvimento das competências, no reconhecimento do desempenho e na criação de um clima organizacional saudável.

Kotler e Keller (2012) defendem que “as organizações bem-sucedidas tratam os seus empregados como clientes internos e garantem que estejam bem treinados, motivados e informados”, destacando que o êxito do marketing externo depende da coerência e solidez do marketing interno. Ou seja, não há prestação de serviços públicos de qualidade se os servidores não estiverem informados, capacitados e valorizados.

2. A Comunicação Interna como Dispositivo de Gestão Estratégica

No seio da Administração Pública, a comunicação interna precisa ser compreendida como um subsistema estratégico de gestão, cuja função é assegurar o fluxo bidirecional de informação entre os níveis hierárquicos e os departamentos. Quando os funcionários são os últimos a saber sobre decisões institucionais, projectos ou mudanças que os afectam directamente, gera-se um sentimento de desvalorização, frustração e descomprometimento.

Marins (1999) alerta para a importância de mecanismos eficazes de comunicação institucional, apontando que “os instrumentos de comunicação interna – como murais, jornais, reuniões, boletins, vídeos e formações – devem ter conteúdo relevante e envolvente, promovendo a identificação do colaborador com a missão institucional”. A ausência dessa prática pode agravar silos organizacionais e comprometer a prestação dos serviços públicos.

3. Aplicação do Marketing Interno no Contexto dos Serviços de Justiça

No âmbito dos serviços públicos, os órgãos da Justiça representam um ponto de contacto directo e sensível entre o Estado e o cidadão. Conservatórias do registo civil, cartórios notariais, serviços de identificação civil e criminal e demais órgãos conexos lidam diariamente com actos essenciais à cidadania e à vida jurídica das pessoas. Neste contexto, a percepção da qualidade do serviço prestado está directamente associada à actuação dos funcionários públicos que os integram.

Contudo, é notório que muitas destas instituições enfrentam desafios estruturais, que vão desde a obsolescência dos sistemas de gestão, à escassez de meios materiais e humanos, até à ausência de políticas consistentes de valorização e capacitação dos quadros. Esta realidade impacta negativamente na produtividade e na satisfação dos utentes. A insatisfação dos funcionários, por sua vez, reflete-se no desleixo, na morosidade processual e, nalguns casos, na má conduta ética.

A adopção de estratégias de marketing interno nestes serviços, portanto, revela-se essencial para:

1. Capacitar os funcionários com formações contínuas sobre legislação, ética profissional, atendimento ao público e uso de tecnologias;

2. Promover o reconhecimento e valorização dos servidores, incentivando o desempenho e a inovação na função pública;

3. Desenvolver canais institucionais de comunicação eficazes, como circulares, plataformas digitais internas, reuniões periódicas e fóruns de escuta;

4. Reforçar o compromisso com a qualidade no atendimento ao cidadão, por via da consolidação de uma cultura organizacional orientada para resultados e impacto social.

4. Impacto Sistémico do Marketing Interno na Governança Pública

A abordagem sistémica da Administração Pública compreende que as organizações não operam de forma linear, mas sim por meio de redes interdependentes de processos e actores. Assim, a satisfação do cidadão não depende exclusivamente do front-office, mas de todo o ecossistema organizacional. Um colaborador desinformado ou desmotivado pode comprometer a reputação institucional mais rapidamente do que qualquer falha técnica.

Souza (2001) sintetiza esta lógica ao afirmar que “o funcionário é o cartão postal da organização. É ele que representa a instituição junto ao cliente externo”. Portanto, investir no marketing interno é investir na imagem institucional, na coesão interna e na legitimação da acção pública.

5. Boas Práticas e Perspectivas para os Serviços Públicos Angolanos

Em Angola, iniciativas como os Serviços Integrados de Atendimento ao Cidadão (SIAC) já demonstram avanços significativos na aplicação de princípios de marketing interno e externo, combinando modernização administrativa com acolhimento humanizado. Contudo, os serviços de justiça, em especial os cartórios e conservatórias municipais, ainda requerem uma profunda reestruturação organizacional e cultural.

A implementação de um Plano Nacional de Marketing Interno para o Sector da Justiça, alinhado com as metas do Plano de Desenvolvimento Nacional e com as orientações da Reforma da Justiça e do Direito, poderá promover uma nova ética de serviço público baseada na motivação, empatia, profissionalismo e responsabilização.

Finalmente, é importante referir que a Administração Pública do século XXI deve superar o paradigma burocrático tradicional e adoptar uma lógica gerencial humanizada, participativa e orientada para o cidadão. O marketing interno, neste cenário, constitui-se como alicerce estratégico para garantir a motivação dos servidores públicos e, consequentemente, a qualidade dos serviços prestados.

Ao incorporar políticas consistentes de endomarketing, os serviços de justiça poderão não apenas melhorar a sua imagem institucional, mas também assegurar o acesso à justiça de forma mais célere, transparente e eficaz. Afinal, o sucesso externo de qualquer instituição pública começa por dentro — no reconhecimento do servidor como actor central na produção do bem comum e da confiança pública.

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