Num contexto em que os países enfrentam desafios cada vez maiores no planeamento e execução de infraestruturas sociais, Angola depara-se com um dilema recorrente: quem deve liderar a construção de escolas e hospitais — o Ministério da Construção ou os Ministérios da Saúde e da Educação? Esta questão, longe de ser meramente burocrática, revela implicações profundas na eficiência da despesa pública, na qualidade das obras e na prestação de serviços essenciais à população.
Se é verdade que as políticas de saúde e educação são concebidas pelos respectivos ministérios sectoriais, também é verdade que a execução técnica das infraestruturas exige competências próprias da engenharia civil, da arquitectura, do urbanismo e da gestão de obras públicas, áreas tradicionalmente fora do domínio destes ministérios.
Por isso, defendo que o Ministério da Construção, Habitação e Urbanismo deve ser o principal executor das obras sociais, cabendo aos Ministérios da Saúde e da Educação a definição das especificações técnicas, fiscalização funcional, planeamento sectorial e acompanhamento estratégico dos investimentos.
A especialização da execução: por que centralizar?
Ao longo da história, os países que conseguiram avanços significativos nas obras públicas adoptaram um modelo de centralização técnica e descentralização funcional, com o objectivo de profissionalizar a execução, reduzir custos e aumentar a eficiência. O clássico estudo de Harold D. Lasswell (1951) sobre políticas públicas já previa a importância de separar a formulação estratégica da implementação técnica, defendendo que “quem sabe o quê e faz o quê deve ser diferenciado institucionalmente para garantir racionalidade e eficácia”.
Em países como Moçambique, por exemplo, a Administração Nacional de Estradas (ANE), subordinada ao Ministério das Obras Públicas, executa não apenas estradas, mas também grandes projectos sociais com elevada exigência técnica. O mesmo se observa em Cabo Verde, onde o Ministério das Infraestruturas e Ordenamento do Território lidera a construção das escolas, em coordenação com o Ministério da Educação.
No Brasil, embora os recursos venham do Ministério da Educação ou da Saúde, muitas obras são executadas por empresas contratadas com supervisão técnica do Ministério da Infraestrutura ou das secretarias estaduais de obras. A segregação das funções reduz riscos técnicos, garante melhores contratos e uniformiza os padrões construtivos, como defende Viana (2013), ao referir que “a centralização da execução favorece o controlo de qualidade, o aproveitamento da escala e a racionalização dos recursos”.
O papel estratégico dos ministérios sectoriais: planeamento, validação e fiscalização
O facto de o Ministério da Construção executar obras não significa excluir os Ministérios da Educação e da Saúde do processo. Pelo contrário, é essencial que estas entidades tenham um papel activo na programação sectorial, validação técnica dos projectos arquitectónicos e fiscalização funcional da obra. Devem ser eles a definir, por exemplo, quantas salas de aula, laboratórios, acessos, condições de iluminação e ventilação são necessários numa escola moderna; ou quais os requisitos de biossegurança, circuitos de atendimento e áreas de isolamento num hospital.
Este modelo integrado reforça a complementaridade institucional. Mintzberg (1995), ao tratar da estrutura organizacional das instituições públicas, defende que a eficiência organizacional está em articular especializações distintas com objectivos comuns, numa cadeia de valor clara e colaborativa. Assim, o Ministério da Construção constrói bem porque é especialista em construir, e os outros ministérios garantem que se constrói o que realmente faz falta à população.
Evitar a dispersão técnica e os atrasos operacionais
É comum, em países onde cada ministério tenta executar as suas próprias obras, que surjam problemas sérios de capacidade técnica, má contratação, corrupção e atraso crónico na execução orçamental. Angola, ao optar pela centralização no Ministério da Construção, pode evitar este erro. Este ministério dispõe de quadros especializados, normas técnicas consolidadas, mecanismos de contratação padronizados e equipamentos próprios que o tornam mais eficaz na execução física.
Além disso, um sistema nacional de obras públicas, centralizado e regulado, favorece a fiscalização pelos órgãos de controlo e pela sociedade civil. A lógica é simples: com menos pontos de execução, é mais fácil auditar, verificar e responsabilizar. A descentralização sem capacidade técnica adequada, como alerta Dambisa Moyo (2009), “pode criar um ambiente fértil para a ineficiência e captura de recursos”.
Uma proposta de modelo organizacional
A fim de garantir o equilíbrio entre a eficiência da construção e a adequação funcional das infraestruturas sociais, propõe-se o seguinte modelo institucional:
Ministério da Construção, Habitação e Urbanismo: responsável pela execução técnica das obras sociais (planeamento físico, contratação, fiscalização de engenharia e entrega física da infraestrutura).
Ministérios da Educação e da Saúde: responsáveis pela definição das especificações funcionais, validação dos projectos, planeamento sectorial e fiscalização do uso e impacto da infraestrutura.
Unidade Interministerial de Infraestruturas Sociais: órgão técnico-consultivo que assegura a coordenação entre ministérios, padroniza critérios de qualidade e presta apoio às administrações locais.
Órgãos de controlo e sociedade civil: com acesso à informação orçamental, cronogramas e relatórios de execução para garantir a transparência e a responsabilização.
Conclusão: especializar para servir melhor
A lógica da eficiência pública exige que as competências sejam organizadas de forma racional. A construção de infraestruturas sociais não pode ser tratada apenas como um apêndice das políticas de saúde e educação, pois envolve engenharia complexa, gestão de empreitadas, controlo de materiais e prazos que nem sempre estão ao alcance dos ministérios sectoriais.
Por isso, defendo que o Ministério da Construção, Habitação e Urbanismo deve ser o executor principal das obras sociais em Angola, com os Ministérios da Educação e da Saúde a desempenhar o papel essencial de programadores, fiscalizadores e validadores técnicos e estratégicos. Este modelo já é aplicado com sucesso em diversos países e pode ajudar Angola a fazer mais, com mais qualidade e por menos custos.
A especialização é o caminho para a eficácia, e a coordenação entre sectores é a chave para o impacto social. É hora de organizarmos a casa para que a casa — seja uma escola ou um hospital — sirva verdadeiramente ao povo.
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