Nos últimos cinco anos, a região do Sahel, em África, emergiu como o epicentro global de golpes de Estado, com sete golpes bem-sucedidos entre 2020 e 2023 em países como Mali, Burkina Faso, Níger, Guiné e Sudão, além de um golpe no Gabão, fora do Sahel. Estes movimentos, frequentemente liderados por juntas militares, prometem transições democráticas com eleições e governos civis, mas, na prática, perpetuam o poder militar, adiando indefinidamente o retorno à ordem constitucional.
Antecedentes: As Raízes dos Golpes no Sahel
A onda de golpes no Sahel tem raízes em falhas estruturais das democracias frágeis da região. A crise financeira global de 2008 e as políticas de austeridade impostas por instituições como o FMI enfraqueceram economias já debilitadas por corrupção e desemprego elevado (Haidara, 2024). A crise migratória e a insegurança, exacerbadas pelo colapso do regime de Kadhafi na Líbia em 2011, levaram à proliferação de armas e grupos jihadistas, como o Estado Islâmico e a Al-Qaeda, que controlam vastas áreas em Mali e Burkina Faso (Raleigh et al., 2021). A percepção de ineficácia dos governos eleitos, aliada a sentimentos anti-franceses devido à intervenção militar falhada (Operação Barkhane), alimentou o descontentamento popular. Golpes em Mali (2020, 2021), Guiné (2021), Burkina Faso (2022) e Níger (2023) foram recebidos com apoio público, reflectindo a perda de legitimidade de líderes como Alpha Condé (Guiné) e Mohamed Bazoum (Níger), acusados de manipulação eleitoral e corrupção (Afrobarometer, 2022).
Dinâmicas Actuais: Promessas Não Cumpridas e Conflitos
As juntas militares, ao assumirem o poder, justificam os golpes com promessas de segurança, combate à corrupção e transição democrática. Contudo, essas promessas raramente se materializam. Em Mali, Assimi Goïta, após dois golpes (2020 e 2021), adiou eleições previstas para 2022 para 2024, suspendendo actividades políticas em 2024, citando “ordem pública” (GJIA, 2024). No Burkina Faso, Ibrahim Traoré, após o golpe de 2022, prometeu eleições em 2024, mas a insegurança crescente e a ausência de um calendário concreto sugerem adiamentos (Freedom House, 2024). No Níger, Abdourahamane Tiani anunciou uma transição de três anos em 2023, mas a detenção de Bazoum e a resistência a pressões da CEDEAO indicam consolidação do poder militar (Carnegie, 2023). No Sudão, o golpe de 2021 levou a um conflito interno entre as Forças Armadas e as Forças de Apoio Rápido, causando milhares de mortes e uma crise humanitária com 7 milhões de deslocados (Foreign Affairs, 2023).
Estes adiamentos reflectem uma tendência: as juntas usam a insegurança e a instabilidade como pretextos para prolongar o controlo, frequentemente com apoio popular inicial, mas sem cumprir promessas democráticas. A saída de Mali, Burkina Faso e Níger da CEDEAO em 2024, formando a Aliança dos Estados do Sahel (AES), enfraqueceu a pressão regional por transições, enquanto a aproximação à Rússia e ao Grupo Wagner, em busca de apoio militar, sinaliza uma reorientação geopolítica anti-ocidental (USIP, 2024).
Impactos Geopolíticos
Desestabilização Regional: A proliferação de golpes no Sahel, com 43% das mortes por terrorismo global em 2022 (Rand, 2023), intensifica a insegurança, com 3,4 milhões de deslocados e 110.000 refugiados em estados costeiros como o Benim e o Gana (USIP, 2024). A violência transborda, ameaçando democracias frágeis na África Ocidental.
Declínio da Influência Ocidental: O sentimento anti-francês e a expulsão de forças francesas de Mali, Burkina Faso e Níger reflectem a rejeição da influência ocidental, com juntas a procurarem parcerias com Rússia, Turquia e Emirados Árabes Unidos (Carnegie, 2023).
Enfraquecimento da Governação Regional: A suspensão de Mali, Burkina Faso e Níger pela CEDEAO e pela UA, sem resultados concretos, e a sua saída da CEDEAO revelam a fragilidade das instituições regionais, reduzindo a capacidade de impor normas democráticas (Molua & Mwonzora, 2024).
Impacto Global: A instabilidade no Sahel, rico em urânio (Níger) e ouro (Mali), afecta cadeias de abastecimento globais e aumenta a influência de potências como a Rússia, que explora o vácuo deixado pelo Ocidente (Arab Center, 2023).
Visão Futura: Desafios e Oportunidades
A recorrência de golpes no Sahel, sem transições democráticas efectivas, sugere um ciclo de instabilidade a médio prazo. A incapacidade das juntas de conterem o terrorismo, com o Estado Islâmico a duplicar o seu controlo em Mali (Freedom House, 2024), e a dependência de aliados como a Rússia, que oferecem apoio militar mas não económico, agravam a crise. A meu ver, a solução exige:
1) fortalecer instituições regionais como a CEDEAO e a UA, com sanções selectivas que isentem bens essenciais;
2) investir em governação inclusiva, abordando desigualdades e corrupção;
3) promover diálogos nacionais que incluam minorias étnicas, jovens e mulheres, como proposto pelo USIP (2022). O exemplo do Gana, uma democracia resiliente apesar da instabilidade regional, demonstra que o investimento em accountability e serviços básicos pode conter a atracção por golpes (USIP, 2023).
Conclusão
Os golpes no Sahel, alimentados por falhas democráticas e insegurança, prometem transições que não se concretizam, perpetuando conflitos e instabilidade. A resposta exige uma abordagem multidimensional, combinando pressão internacional, diálogo inclusivo e desenvolvimento económico. Sem estas medidas, o Sahel arrisca-se a tornar-se um foco permanente de caos, com impactos globais que desafiam a segurança e a democracia em África.
O conteúdo A epidemia de golpes no Sahel: promessas de democracia e a persistência do conflito aparece primeiro em Correio da Kianda – Notícias de Angola.
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