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A influência geopolítica da morte do papa Francisco e a escolha do próximo papa

A morte do Papa Francisco, a 21 de Abril de 2025, aos 88 anos, marca o fim de um pontificado que redefiniu o papel da Igreja Católica no cenário geopolítico global. Como primeiro papa latino-americano e jesuíta, Francisco destacou-se pela sua abordagem progressista, centrada na justiça social, mudanças climáticas, inclusão de minorias e críticas ao nacionalismo e ao capitalismo desenfreado. A sua partida deixa um vazio significativo num mundo marcado por conflitos, polarização e crises humanitárias. O processo de escolha do próximo papa, através do conclave no Vaticano, não é apenas uma questão espiritual, mas também um evento com profundas implicações geopolíticas, influenciando a direcção da Igreja Católica e a sua interação com potências globais, organizações internacionais e dinâmicas regionais. Este artigo analisa o impacto geopolítico da morte de Francisco e os fatores que moldarão a eleição do seu sucessor.

O Legado Geopolítico de Francisco

Durante os seus 12 anos de pontificado, Papa Francisco posicionou a Igreja como uma força moral ativa em questões globais. A sua diplomacia, conduzida através da Secretaria de Estado do Vaticano, foi marcada por intervenções em crises internacionais. Francisco mediou a reaproximação entre os Estados Unidos e Cuba em 2014, negociou um acordo com a China em 2018 sobre a nomeação de bispos e defendeu a causa dos refugiados, apelando à Europa para acolher migrantes. No conflito Israel-Gaza, condenou tanto os ataques do Hamas como as ações de Israel, chamando-as de “crueldade” e sugerindo uma investigação sobre possível genocídio em Gaza. Na guerra Rússia–Ucrânia, promoveu gestos de humanidade, enviando o Cardeal Matteo Zuppi como enviado de paz a Kiev, Moscovo e Washington.

A sua crítica ao nacionalismo e à ascensão de líderes populistas, como Donald Trump, colocou-o em tensão com movimentos conservadores, especialmente nos EUA e na Europa. Francisco opôs-se à retórica anti-imigração de figuras como Viktor Orbán e Matteo Salvini, enquanto mantinha relações próximas com líderes progressistas e até com o rei Carlos III, com quem partilhava preocupações sobre mudanças climáticas e harmonia inter-religiosa. A encíclica Fratelli Tutti (2020), elaborada em colaboração com líderes muçulmanos e judaicos, reforçou a sua visão de fraternidade global, desafiando divisões culturais e religiosas.

O impacto de Francisco foi amplificado pela soft power do Vaticano, que mantém relações diplomáticas com mais de 180 países e influencia 1,4 mil milhões de católicos. A sua ênfase no Sul Global, onde o catolicismo cresce rapidamente, reorientou a Igreja para as periferias, desafiando a hegemonia eurocêntrica. Contudo, as suas reformas progressistas, como a maior inclusão de mulheres na Cúria e a simpatia por católicos LGBTQ+, geraram divisões internas, com cardeais conservadores, como Raymond Burke e Robert Sarah, criticando a sua abordagem como demasiado liberal.

Implicações Geopolíticas da Morte de Francisco

A morte de Francisco ocorre num momento de convulsão global, com guerras na Ucrânia e em Gaza, tensões entre os EUA e a China, e o ressurgimento de nacionalismos. A sua ausência remove uma voz moral que contrabalançava líderes como Trump, cuja administração tem adotado políticas anti-imigração e pró-Israel, contrastando com as posições de Francisco. O Vaticano, sob a liderança interina do Cardeal Kevin Farrell durante o período de sede vacante, enfrenta o desafio de manter a sua relevância diplomática enquanto prepara o conclave, previsto para iniciar entre 6 e 11 de maio de 2025.

A escolha do próximo papa será influenciada por fatores geopolíticos, incluindo:

1. Polarização Global e Alinhamentos Ideológicos: O conclave, composto por 135 cardeais eleitores (dos quais 100 nomeados por Francisco), terá de decidir entre continuar as reformas progressistas de Francisco ou adotar uma postura mais conservadora, alinhada com as visões de João Paulo II e Bento XVI. A ascensão de movimentos nacionalistas na Europa e nos EUA pode pressionar por um papa que reforce valores tradicionais, enquanto o crescimento do catolicismo na África e na Ásia favorece candidatos que abordem questões como pobreza e desigualdade.

2. Relações com Grandes Potências: O próximo papa precisará navegar as tensões entre os EUA, a China e a Rússia. O acordo com Pequim sobre bispos, criticado por conservadores, será um ponto de contenção. Um papa alinhado com Francisco, como Pietro Parolin, pode manter a abertura à China, enquanto um conservador, como Robert Sarah, poderia adotar uma postura mais crítica ao comunismo e ao Islão, alinhando-se com os EUA de Trump.

3. Conflitos Regionais: A crise no Médio Oriente, especialmente o conflito Israel-Gaza, torna candidatos com experiência na região, como Pierbattista Pizzaballa, Patriarca Latino de Jerusalém, particularmente relevantes. A escolha de um papa que fale hebraico e tenha dialogado com o Hamas poderia sinalizar uma postura ativa na promoção da paz, mas também gerar controvérsia entre potências ocidentais.

4. Mudanças Climáticas e Justiça Social: A ênfase de Francisco nas alterações climáticas, expressa na encíclica Laudato Si’ (2015), criou expectativas de que o próximo papa continue a advogar por políticas ambientais. Candidatos como Luis Antonio Tagle, das Filipinas, ou Peter Turkson, do Gana, que partilham esta visão, poderiam reforçar a influência do Vaticano em fóruns como a ONU.

Candidatos e a Geopolítica do Conclave

O conclave, a realizar na Capela Sistina, é um processo secreto, mas altamente político, onde cardeais negociam com base em visões teológicas, regionais e geopolíticas. Entre os papabili destacam-se:

– Cardeal Pietro Parolin (Itália, 70 anos): Secretário de Estado do Vaticano, Parolin é um diplomata experiente, responsável pelo acordo com a China e pela reaproximação EUA-Cuba. Considerado moderado, representa a continuidade das reformas de Francisco, mas a sua falta de carisma e experiência pastoral pode ser um obstáculo. A sua eleição seria vista como um sinal de estabilidade diplomática, especialmente para a Europa e a China.

– Cardeal Pierbattista Pizzaballa (Itália, 59 anos): Patriarca Latino de Jerusalém, Pizzaballa tem experiência direta no Médio Oriente, dialogando com líderes muçulmanos e judeus. A sua juventude pode atrair cardeais que buscam um pontificado longo, mas a sua eleição seria um statement geopolítico, dado o seu envolvimento na crise Israel-Gaza.

– Cardeal Luis Antonio Tagle (Filipinas, 67 anos): Líder do Dicastério para a Evangelização, Tagle representa o crescimento do catolicismo na Ásia. A sua visão progressista e carisma o tornam um forte candidato para continuar a agenda de Francisco, mas a sua remoção da liderança da Caritas em 2022 levanta questões sobre o seu apoio no conclave.

– Cardeal Peter Turkson (Gana, 76 anos): Chanceler da Pontifícia Academia das Ciências, Turkson seria o primeiro papa africano em séculos. A sua ênfase na justiça social e no clima alinha-se com Francisco, mas a sua reputação como progressista pode alienar conservadores. A sua eleição reforçaria a influência da Igreja no Sul Global.

– Cardeal Robert Sarah (Guiné, 79 anos): Conservador, Sarah opõe-se à inclusão de LGBTQ+ e à modernização da Igreja. A sua proximidade com movimentos tradicionalistas e a sua crítica ao Islão podem atrair cardeais que desejam um retorno à ortodoxia, mas a sua associação com a direita populista, incluindo o movimento MAGA, é vista como um risco geopolítico.

– Cardeal Matteo Zuppi (Itália, 69 anos): Arcebispo de Bolonha e enviado de paz na Ucrânia, Zuppi é progressista e popular entre os bispos italianos. A sua eleição poderia fortalecer a posição do Vaticano na Europa e em conflitos como o da Ucrânia, mas a sua falta de experiência global é uma limitação.

Desafios e Perspectivas

A escolha do próximo papa terá de responder a uma Igreja dividida entre progressistas e conservadores, num mundo onde a influência católica diminui na Europa e na América do Norte, mas cresce na África e na Ásia. A eleição de um papa do Sul Global, como Tagle ou Turkson, poderia refletir esta mudança demográfica, mas enfrentaria resistências de cardeais europeus, que historicamente dominam o conclave. Além disso, a pressão de potências externas, como os EUA e a China, será subtil, mas presente, através de lobbies informais e da cobertura mediática.

O novo papa herdará uma Igreja em encruzilhada, enfrentando escândalos de abusos sexuais, secularização e a necessidade de dialogar com outras religiões. Geopoliticamente, terá de decidir se mantém a crítica de Francisco ao capitalismo e ao nacionalismo, ou se adota uma postura mais conciliatória com líderes conservadores. A sua capacidade de influenciar crises globais dependerá da sua habilidade em mobilizar a soft power do Vaticano, que, apesar da sua pequena dimensão territorial, permanece uma força única na diplomacia global.

Conclusão

A morte de Papa Francisco deixa um vazio geopolítico num momento de instabilidade global. A sua voz, que desafiava desigualdades, nacionalismos e crises ambientais, era um contraponto moral a líderes como Trump e Orbán. O conclave de 2025 será um teste à capacidade da Igreja de manter a sua relevância num mundo polarizado. A escolha entre continuidade progressista, como Parolin ou Tagle, ou um retorno ao conservadorismo, como Sarah, determinará não apenas a direção da Igreja, mas também a sua influência em questões como paz, migrações e mudanças climáticas. Num contexto de guerras e divisões, o próximo papa terá a tarefa hercúlea de unir 1,4 mil milhões de católicos e dialogar com um mundo em transformação, onde a diplomacia vaticana continuará a ser um farol de esperança ou um ponto de controvérsia.

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