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A Migração é Ilegal ou É a Ignorância do Governo que o É?

Introdução: Quando o Estado Fecha os Olhos e Aponta o Dedo

Angola vive hoje um paradoxo grave e desconfortável: um país historicamente moldado por fluxos migratórios — desde os deslocamentos internos forçados durante a guerra civil até à crescente diáspora angolana na actualidade — parece não ter aprendido nada sobre a importância estratégica da mobilidade humana. Pior ainda, institucionalizou um discurso que criminaliza os migrantes, culpabiliza os deslocados e negligencia as suas próprias responsabilidades enquanto Estado soberano.

Neste cenário, impõe-se a pergunta: é a migração que é ilegal ou é a ignorância — planeada ou negligente — dos nossos decisores políticos que assume traços de ilegalidade moral,- jurídica e política?

A Migração em Angola: Muito Mais do que um “Problema de Fronteira”

De acordo com a Comissão Económica das Nações Unidas para África (2022), Angola desempenha simultaneamente três papéis no sistema migratório regional: país de origem, de trânsito e de destino. Essa realidade, por si só, exige uma abordagem multidimensional e integrada da política migratória, o que infelizmente não se verifica.

As respostas do Governo têm sido marcadas por acções repressivas esporádicas — como operações de deportação em massa, encerramento forçado de mercados informais e tratamento desumano a estrangeiros, sobretudo oriundos da RDC e da África Ocidental. Ao actuar assim, o Estado finge combater a migração irregular, quando na verdade esconde a sua total ausência de planeamento territorial, desenvolvimento equilibrado e integração social.

Migração Interna: O Sul Seco, o Norte Excluído e o Centro Esquecido

As migrações internas, particularmente no sul do país, configuram-se como um drama humanitário silencioso. A seca extrema e cíclica nas províncias do Cunene, Namibe, Cuando e Cubango tem forçado o deslocamento de milhares de famílias para zonas urbanas como Lubango e Luanda — sem qualquer apoio logístico, habitacional ou ocupacional.

Esses migrantes climáticos — termo bem definido por Alexander Betts (2010) — não são reconhecidos como tal pelas autoridades, que insistem em vê-los como “problemas urbanos”, quando na verdade são testemunhos vivos do colapso ambiental e da falência das políticas públicas no interior do país.

E o fenómeno não se restringe ao sul. Jovens do Uíge, do Bié e do Moxico abandonam as suas terras em busca de oportunidades em centros urbanos saturados, reforçando o ciclo de urbanização descontrolada, desemprego e exclusão.

Os Estrangeiros em Angola: Invisíveis, Indesejados, Injustiçados

A presença de migrantes oriundos da RDC, Guiné, Mali, Mauritânia, Senegal e outros países africanos tem sido sistematicamente ignorada ou combatida por políticas de segurança xenófobas. Muitos destes estrangeiros vivem há décadas em Angola, exercem actividades comerciais lícitas, pagam rendas e educam os seus filhos. No entanto, continuam à margem da legalidade — sem acesso à documentação, saúde ou educação formal.

A ausência de uma Lei de Migração clara e humanizada transforma o Estado angolano num cúmplice de violações sistemáticas de direitos humanos, contrárias aos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Convenção da ONU de 1951 sobre Refugiados e da própria Constituição da República de Angola.

Como lembra Saskia Sassen (2007), “as cidades globais prosperam com a diversidade migratória. A sua repressão é um acto de empobrecimento colectivo.”

A Diáspora Angolana: Quando o Próprio Povo Foge

O número de angolanos a emigrar para Portugal, Brasil, África do Sul, Namíbia e outros países aumentou exponencialmente na última década. Esta “fuga silenciosa” de cérebros, quadros médios, técnicos e jovens é o reflexo mais cruel do fracasso da governação interna.

Segundo o Banco Mundial (2020), Angola perdeu cerca de 20% da sua mão-de-obra qualificada para o exterior nos últimos dez anos. Estes emigrantes não fogem da pátria por desamor, mas pela ausência de oportunidades, de meritocracia e de justiça. É o próprio Estado que os empurra.

Quando um país perde os seus melhores por incompetência institucional, a pergunta que se impõe não é “por que fogem?”, mas sim: por que razão os obrigamos a fugir?

A Oportunidade Perdida: A Migração como Potência, Não como Ameaça

A migração, se bem gerida, constitui uma força motriz para o desenvolvimento económico, inovação, diversidade e integração regional. Estudos da União Africana, da OIM e da OCDE mostram que migrantes são, em média, mais empreendedores, resilientes e produtivos do que a população autóctone em vários contextos.

Em Angola, no entanto, continua a prevalecer uma visão retrógrada e policialesca da migração. O país não possui uma política nacional de migração, nem um sistema eficaz de acolhimento, legalização ou inclusão social. Este vácuo legislativo e político transforma o migrante num alvo fácil da repressão, da marginalização e do populismo.

Propostas Concretas: De um Estado Repressor para um Estado Integrador

Para transformar este cenário desastroso, propõem-se as seguintes medidas:

1. Aprovação urgente de uma Política Nacional de Migração, baseada nos princípios de dignidade humana, segurança regional e coesão social.

2. Criação de um Observatório Nacional de Mobilidade Humana, com dados fiáveis e actualizados sobre migração interna e externa.

3. Investimento no Desenvolvimento Local (rural e urbano), para combater as causas da migração forçada.

4. Legalização e Integração Social de Migrantes, com acesso a serviços básicos, programas de formação e linhas de financiamento para pequenos negócios.

5. Campanhas de sensibilização contra a xenofobia e o racismo institucional, promovendo a interculturalidade e o respeito pela diversidade.

Conclusão: A Verdadeira Ilegalidade Está na Consciência de Quem Governa

No fim de tudo, a migração é um direito natural, ancestral e legítimo do ser humano. Já a repressão sem soluções, o silêncio cúmplice e a indiferença institucional, esses sim, são actos de ilegalidade moral.

O Estado angolano precisa de deixar de fingir que a migração é um problema externo. É, na verdade, o reflexo mais evidente das suas falhas internas. E enquanto os governantes continuarem a ignorar essa realidade, serão eles os verdadeiros transgressores — não da lei, mas da ética, da justiça e da humanidade.

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