A qualidade da administração eleitoral é directamente proporcional à robustez da democracia. Sem processos eleitorais livres, justos e transparentes, qualquer Estado perde a sua legitimidade democrática, correndo o risco de se converter numa oligarquia disfarçada. Como salienta Robert Dahl (1998), “a chave da democracia está em garantir que todos os cidadãos tenham igual peso no processo de tomada de decisões colectivas”.
Neste contexto, a gestão das eleições assume um papel crucial. Em Angola, embora a Constituição consagre o princípio da liberdade e da justiça eleitoral (artigo 107.º), a prática demonstra que o caminho para uma verdadeira administração eleitoral independente ainda é longo e desafiante.
1. A Administração Eleitoral pelo Mundo: Modelos e Exemplos de Excelência
No cenário internacional, os sistemas de administração eleitoral agrupam-se, geralmente, em três grandes modelos, conforme Pippa Norris (2015):
Modelo Independente: Um órgão autónomo organiza e fiscaliza as eleições, separado do governo e do Parlamento (exemplos: Canadá, África do Sul, Índia, Austrália).
Modelo Governamental: A organização das eleições está a cargo de instituições governamentais, normalmente do Ministério do Interior ou equivalente (exemplos: Suécia, França).
Modelo Híbrido: Um sistema misto, em que uma comissão independente coordena o processo, mas a execução é feita por entidades públicas sob supervisão (exemplos: México, Espanha).
Segundo Elklit e Reynolds (2002), “as administrações independentes tendem a ser mais eficazes em sociedades pós-conflito ou em processos recentes de democratização”, onde a confiança pública precisa de ser especialmente reforçada.
Entre os melhores sistemas do mundo, destacam-se:
Canadá: Com a Elections Canada, reconhecida pela sua autonomia efectiva, gestão profissional e transparência dos seus processos, servindo como referência mundial.
Austrália: A Australian Electoral Commission alia tecnologia de ponta à educação cívica contínua, alcançando elevados níveis de confiança pública.
Índia: O maior processo eleitoral do mundo, gerido pela Election Commission of India, é exemplo de logística eleitoral, mesmo em condições de pobreza e diversidade extremas.
Estónia: Líder na implementação do voto electrónico (e-voting), demonstrando que a tecnologia, se bem utilizada, pode reforçar a participação e a confiança no sistema.
Brasil: Pioneiro nas urnas electrónicas auditáveis, com processos céleres de apuramento dos resultados, garantindo segurança e rapidez.
Em todos estes casos, há um elemento comum: a percepção de neutralidade institucional, que reforça a confiança dos cidadãos.
2. A Administração Eleitoral em Angola: Avanços e Persistentes Fragilidades
Angola possui uma Comissão Nacional Eleitoral (CNE) cuja missão, por lei, é organizar e gerir os processos eleitorais de forma independente. Todavia, na prática, a autonomia e a imparcialidade da CNE são frequentemente questionadas. Estudos de Costa (2022) revelam que “a composição, nomeação e funcionamento da CNE continuam a reflectir excessiva dependência político-partidária, fragilizando a sua credibilidade perante os eleitores”.
Entre os principais problemas identificados estão:
Falta de transparência na gestão do processo de apuramento dos resultados;
Dependência política da maioria dos membros da CNE;
Fraca logística eleitoral, com atrasos na distribuição de materiais e falhas nos cadernos eleitorais;
Débil formação dos agentes eleitorais, especialmente nas zonas rurais.
Segundo Leonardo Sakamoto (2017), “num ambiente eleitoral frágil, a simples percepção de fraude ou manipulação é suficiente para gerar instabilidade política e social”. Em Angola, a cada eleição, a contestação dos resultados pelas forças políticas da oposição demonstra que a administração eleitoral ainda não conseguiu conquistar a confiança plena dos actores políticos e da sociedade civil.
3. Lições dos Melhores Modelos para Angola
Aprendendo com as experiências de sucesso, propõem-se cinco grandes eixos de reforma para Angola:
3.1 Reforçar a Independência Real da Comissão Nacional Eleitoral
A nomeação dos membros da CNE deve ser feita com critérios técnicos, envolvendo organizações da sociedade civil, universidades, ordens profissionais e entidades religiosas, como acontece no Canadá e na África do Sul. Para Norris (2015), “a independência dos órgãos eleitorais deve ser visível não apenas na lei, mas no comportamento e na percepção pública”.
3.2 Garantir Transparência Total em Todo o Processo Eleitoral
Adoptar procedimentos que permitam o acesso público às actas eleitorais, listas de votação, mapas de apuramento e relatórios financeiros dos partidos, como preconiza a Comissão de Veneza (2002), é essencial para prevenir suspeitas e aumentar a confiança.
3.3 Apostar na Modernização Tecnológica com Segurança e Auditabilidade
Seguindo o exemplo brasileiro, Angola pode investir em soluções de votação electrónica segura, desde que acompanhadas de mecanismos de verificação independentes e auditorias públicas.
3.4 Intensificar Programas de Educação Cívica Eleitoral
Inspirados na Austrália, programas permanentes de educação cívica são essenciais para formar cidadãos conscientes dos seus direitos e responsabilidades eleitorais. Como lembra Norberto Bobbio (1986), “a democracia não é apenas um sistema de governo, é sobretudo uma pedagogia cívica”.
3.5 Assegurar a Autonomia Financeira e Logística da CNE
A autonomia administrativa precisa de ser reforçada pela autonomia financeira. A CNE deve ter o seu orçamento aprovado de forma independente e as suas contas auditadas anualmente por organismos imparciais.
4. Por um Futuro Democrático em Angola
O futuro da democracia angolana depende da coragem de reformar o sistema eleitoral e torná-lo digno de plena confiança. Como ensina Giovanni Sartori (1995), “as democracias que se renovam são aquelas que sabem corrigir as suas próprias imperfeições”.
Não se trata apenas de realizar eleições, mas de realizar boas eleições — limpas, justas e respeitadas por todos.
A escolha é clara: seguir a tradição da desconfiança ou construir um novo modelo de governação baseado na participação legítima dos cidadãos. As lições dos melhores sistemas estão disponíveis para quem quiser construir um novo capítulo da história política de Angola.
O conteúdo Administração eleitoral em Angola: independência ou submissão? aparece primeiro em Correio da Kianda – Notícias de Angola.
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