O meio ambiente institucional da Administração Pública angolana enfrenta desafios estruturais que comprometem a modernização, a eficiência e a sustentabilidade dos serviços prestados ao cidadão. Entre as diversas fragilidades, destaca-se o uso excessivo de papel, a emissão desnecessária de documentos físicos e a resistência à digitalização, o que resulta num desperdício de recursos financeiros e ambientais.
A transição para processos administrativos digitais não é apenas uma questão de modernização tecnológica, mas também um imperativo para a boa governação, a transparência e a eficiência institucional. Segundo Castells (2018), a digitalização é um dos pilares fundamentais da sociedade em rede, permitindo maior conectividade, automatização de processos e redução da burocracia.
Além disso, o impacto ambiental do consumo excessivo de papel na Administração Pública é preocupante. O sector público, ao manter a dependência do papel, contribui para o desmatamento, o desperdício de água e a emissão de carbono na atmosfera. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA, 2022), a produção de uma tonelada de papel consome aproximadamente 10 mil litros de água e emite grandes quantidades de CO₂.
Do ponto de vista económico, a manutenção de processos administrativos físicos implica custos elevados para o Estado, tanto na aquisição de materiais como na manutenção de arquivos e logística de distribuição de documentos. A adopção de um modelo digital permitiria uma redução significativa desses custos, garantindo maior eficiência e acessibilidade para os cidadãos.
Diante desse cenário, torna-se urgente a implementação de políticas institucionais que promovam o uso mínimo de papel e incentivem a digitalização dos serviços administrativos, garantindo maior eficiência, segurança e sustentabilidade ambiental.
1. O Uso Excessivo de Papel: Um Problema Estrutural
O uso excessivo de papel na Administração Pública angolana reflecte uma cultura burocrática que resiste à modernização e à adopção de tecnologias digitais. De acordo com Drucker (2019), a burocracia tradicional tende a perpetuar processos ineficientes devido à falta de incentivo para a inovação e à resistência à mudança por parte das instituições e dos seus funcionários.
Em Angola, diversos serviços públicos ainda exigem documentos impressos em várias vias, criando um ciclo de desperdício e morosidade administrativa. Essa prática não apenas encarece os processos, mas também contribui para a degradação ambiental. O papel utilizado na Administração Pública frequentemente não provém de fontes sustentáveis, agravando os impactos ambientais do desmatamento e do consumo de água.
A digitalização dos documentos administrativos permitiria uma gestão mais eficiente, reduzindo a necessidade de armazenamento físico, agilizando a tramitação de processos e eliminando o risco de extravio de documentos. Além disso, a digitalização aumenta a segurança da informação, uma vez que sistemas digitais modernos oferecem mecanismos de encriptação e protecção contra fraudes.
2. Impressão de Documentos: Necessidade ou Retrocesso?
A obrigatoriedade da emissão física de certos documentos administrativos é um dos principais obstáculos à digitalização plena da Administração Pública angolana. A carta de condução, por exemplo, continua a ser impressa em plástico, mesmo quando já existem bases de dados digitais que poderiam garantir a sua autenticidade sem necessidade de um documento físico.
Países como Portugal e Brasil já implementaram versões digitais da carta de condução, permitindo que os condutores apresentem o documento através de aplicativos móveis. De acordo com Moreira (2020), a adopção de documentos digitais não só reduz custos operacionais, mas também melhora a acessibilidade e a segurança dos dados.
Do ponto de vista económico, a impressão massiva de documentos administrativos gera gastos com papel, tinta, logística e arquivamento. Segundo dados do Banco Mundial (2021), governos que adoptaram políticas de “escritório sem papel” reduziram custos operacionais em até 30%. Angola poderia seguir essa tendência ao investir na digitalização dos seus processos administrativos.
A resistência à eliminação da versão impressa desses documentos deve-se muitas vezes à falta de integração dos sistemas de informação entre os diferentes órgãos públicos. Se as bases de dados fossem interligadas e acessíveis por meio de plataformas seguras, a necessidade de apresentar documentos físicos seria eliminada, simplificando processos e reduzindo custos para o Estado e para os cidadãos.
3. Biometria e Identificação Digital: Elementos Estratégicos para a Administração Pública
Para que a digitalização avance de forma eficaz, é essencial que a Administração Pública adopte sistemas biométricos e outras tecnologias de identificação digital. A biometria, baseada em características únicas como impressões digitais e reconhecimento facial, oferece um nível de segurança superior ao dos documentos físicos, reduzindo significativamente os riscos de falsificação e usurpação de identidade.
Segundo Silva (2021), a implementação de sistemas biométricos na Administração Pública não apenas fortalece a segurança dos serviços, mas também permite a criação de bases de dados integradas que facilitam a verificação da identidade dos cidadãos sem necessidade de documentos físicos.
No caso específico da carta de condução, um sistema baseado em biometria poderia eliminar completamente a necessidade do cartão impresso. O condutor poderia ser identificado por meio de um código QR associado à sua identidade digital, acessível num aplicativo móvel. Esse modelo já é utilizado em países como a Estónia, que possui um dos sistemas de identificação digital mais avançados do mundo.
A integração da biometria com os sistemas de registo civil e criminal também poderia fortalecer a segurança pública, permitindo que as autoridades identifiquem indivíduos de forma rápida e precisa. Essa abordagem estratégica contribuiria para a modernização da governação e para o fortalecimento das instituições do Estado.
4. Propostas para uma Política Institucional de Digitalização
A transição para uma Administração Pública digital requer uma estratégia bem definida, baseada em políticas institucionais que incentivem a modernização dos processos administrativos. Algumas medidas essenciais incluem:
Eliminação gradual do uso de papel: Implementação de regulamentos que restrinjam a impressão de documentos a casos estritamente necessários, privilegiando versões digitais sempre que possível.
Criação de plataformas interligadas: Desenvolvimento de um sistema único de registo de cidadãos, acessível por todas as instituições públicas, permitindo a consulta de informações sem necessidade de documentos físicos.
Digitalização dos documentos administrativos: Adopção de versões electrónicas para a carta de condução, cartões profissionais e registos administrativos, acessíveis através de aplicativos móveis.
Fortalecimento da identificação digital e biométrica: Expansão do uso da biometria para todos os serviços públicos, garantindo maior segurança e eficiência na gestão de identidades.
Capacitação dos funcionários públicos: Programas de formação para sensibilizar os servidores sobre a importância da digitalização e prepará-los para lidar com sistemas tecnológicos modernos.
Finalmente, a digitalização da Administração Pública angolana não é apenas uma questão de eficiência institucional, mas também um compromisso com a sustentabilidade e a responsabilidade económica. A redução do uso de papel e a substituição de documentos físicos por versões digitais podem gerar uma economia substancial para o Estado, além de minimizar o impacto ambiental causado pelo consumo excessivo de recursos naturais.
A modernização dos serviços administrativos é um passo essencial para garantir uma governação mais ágil, transparente e sustentável. Cabe ao Estado angolano priorizar essa transformação, adoptando políticas que incentivem a digitalização e eliminem práticas obsoletas que apenas geram desperdício e ineficiência.
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