No cenário actual da economia global, o verdadeiro poder das nações não reside apenas na posse de recursos naturais, mas na sua capacidade de transformar esses recursos em riqueza duradoura, emprego local e inovação endógena. Angola, país dotado de vastas reservas de petróleo, gás e um imenso potencial em energias renováveis, encontra-se num ponto de viragem histórica: continuar refém de investimentos e empresas estrangeiras, ou redefinir o seu modelo de exploração com base na inclusão produtiva do seu empresariado local através de uma política robusta de conteúdo local.
1. O Desafio da Dependência Externa e o Papel da Política de Conteúdo Local
Desde a independência, Angola tem enfrentado o desafio estrutural de uma economia rentista, altamente dependente do petróleo bruto como principal fonte de receitas. Contudo, esta dependência tem sido acompanhada por um paradoxo alarmante: a fraca participação de empresas angolanas nas cadeias de valor do sector energético. A lógica predominante tem sido a da externalização da tecnologia, dos serviços especializados e do capital humano.
Joseph Stiglitz (2007), Prémio Nobel da Economia, alerta que “a riqueza de recursos naturais, quando mal gerida, pode reforçar estruturas de dependência e inibir o desenvolvimento das capacidades produtivas internas”. A solução, como tem demonstrado a experiência internacional, passa pela adopção e implementação rigorosa de políticas de conteúdo local.
2. O Conceito e a Função Estratégica do Conteúdo Local
De forma simples, o conteúdo local refere-se ao conjunto de medidas destinadas a promover a participação de empresas e cidadãos nacionais na produção de bens, prestação de serviços e desenvolvimento tecnológico nas indústrias extractivas e energéticas. Trata-se, portanto, de uma política de soberania económica, de formação de capital humano e de inclusão produtiva.
Segundo John Page (2012), especialista do Brookings Institution, “o conteúdo local, quando bem desenhado, permite que os sectores de recursos naturais sirvam como catalisadores do desenvolvimento industrial, em vez de serem enclaves isolados da economia nacional”. Em outras palavras, não se trata apenas de uma política económica, mas de um imperativo político e estratégico.
3. Exemplos Inspiradores: O que Angola Pode Aprender com Outros Países
Angola pode e deve inspirar-se em experiências bem-sucedidas, ajustando-as ao seu contexto nacional:
Noruega: Ao descobrir petróleo nos anos 60, o país nórdico recusou o modelo de exploração dominado por multinacionais e criou a Statoil (actual Equinor), ao mesmo tempo que exigiu transferência de tecnologia e envolvimento de empresas norueguesas. Resultado: hoje, a Noruega é referência em soberania energética, inovação e investimento em fundos soberanos. “A nossa riqueza petrolífera tornou-se motor do nosso desenvolvimento porque apostámos no controlo nacional e na formação de quadros técnicos”, disse Arne Rettedal, ex-ministro da Indústria.
Nigéria: Com a Nigeria Oil and Gas Industry Content Development Act (2010), o país criou quotas obrigatórias para participação de empresas nigerianas, centros de formação técnica e mecanismos de monitoramento independente. Segundo a investigadora Ololade Adeosun (2018), “essa política impulsionou o surgimento de empresas locais fortes como a Aiteo, Sahara Group e Seplat, com capacidade real de competir com multinacionais”.
Brasil: Com a política de conteúdo local regulada pela ANP, o Brasil promoveu o fortalecimento da sua indústria naval, metalúrgica e de engenharia pesada, gerando mais de 800 mil empregos e dinamizando as regiões costeiras.
Gana: Desde 2013, com a regulamentação do conteúdo local, o país criou estruturas de monitoramento, obrigatoriedade de contratação de mão-de-obra nacional e incentivo à criação de empresas locais, como a Springfield Group, já operando com autonomia.
Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita: Estes países estão hoje a canalizar parte dos lucros do petróleo para projetos de energias renováveis, exigindo que uma percentagem significativa dos equipamentos, serviços e formação sejam providenciados por empresas e instituições locais. Isso demonstra que o conteúdo local também se aplica à transição energética.
4. A Realidade de Angola: Potencial Rico, Participação Frágil
Angola aprovou, em 2020, o Decreto Presidencial n.º 271/20, que visa regular o conteúdo local no sector petrolífero. A legislação define critérios para a preferência de empresas nacionais, formação de quadros e incentivo à incorporação de valor local. Contudo, apesar de o quadro normativo existir, a sua implementação concreta ainda é tímida, devido à ausência de mecanismos de fiscalização efectivos, falta de financiamento empresarial e debilidade estrutural das empresas angolanas.
Além disso, os contratos com empresas estrangeiras nem sempre resultam em transferência efectiva de tecnologia, e muitas das chamadas “empresas angolanas” são meras representações de grupos estrangeiros com fachada nacional, fenómeno conhecido como “angolanização artificial”.
5. Propostas Estratégicas para Impulsionar o Empresariado Nacional
Para que o conteúdo local em Angola não seja apenas uma política no papel, mas uma alavanca de desenvolvimento sustentável e soberania económica, propõem-se as seguintes medidas:
1. Criação de um Fundo Soberano de Inovação e Conteúdo Local, exclusivo para o financiamento de empresas nacionais nos sectores de energia, com critérios de transparência e foco em inovação tecnológica e capacitação.
2. Estabelecimento de uma Agência Nacional do Conteúdo Local, com autonomia técnica e legal para fiscalizar, monitorar e sancionar o não cumprimento das quotas locais nos contratos de exploração.
3. Obrigações legais de participação mínima de empresas nacionais (por exemplo, 40% nos contratos de prestação de serviços e 25% nos fornecimentos), com incentivos fiscais para as multinacionais que promovam a formação de parcerias duradouras e reais.
4. Criação de centros tecnológicos e de formação especializados em Benguela, Cabinda, Zaire e Huíla, conectados às universidades e ao sector privado, como forma de gerar competências técnicas alinhadas às necessidades do sector.
5. Fomento a parcerias entre universidades e empresas nacionais, com foco em investigação aplicada, energias limpas, robótica, big data e inteligência artificial, para aumentar a capacidade nacional de inovação nos sectores energético e tecnológico.
6. Promoção de um cluster nacional de energias renováveis, integrando empresas de engenharia, universidades, governo local e start-ups, aproveitando o elevado potencial solar, hídrico e eólico do território angolano.
7. Revisão dos critérios de concursos públicos e licitações, privilegiando empresas com historial de investimento nacional, emprego local, responsabilidade social e compromisso com a sustentabilidade.
6. Conclusão: Para um Futuro com Riqueza Partilhada e Desenvolvimento Sustentado
A política de conteúdo local representa uma estratégia de longo prazo para o fortalecimento da economia angolana, a criação de emprego qualificado e a redução da vulnerabilidade externa. Como disse Amartya Sen (1999), “o desenvolvimento deve ser entendido como a expansão das liberdades reais das pessoas”. Garantir que o empresariado angolano tenha acesso efectivo ao sector energético é expandir essa liberdade.
Angola não pode continuar a ser apenas exportadora de petróleo bruto e importadora de produtos acabados, tecnologia e mão-de-obra especializada. É hora de fazer do petróleo, do gás e da energia limpa motores de desenvolvimento endógeno, inovação tecnológica e soberania económica.
O conteúdo local é mais do que uma política — é uma visão de futuro. Um futuro em que os angolanos deixam de ser meros espectadores e se tornam verdadeiros protagonistas do desenvolvimento do seu país.
O conteúdo Angola: petróleo nacional, lucros estrangeiros – o empresário angolano continua à margem aparece primeiro em Correio da Kianda – Notícias de Angola.
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