segunda-feira , 28 abril 2025
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Centralidades em Angola: um sonho inatingível para os mais pobres?

1. Introdução: A Urgência de uma Habitação Digna em Angola

A questão habitacional continua a ser um dos maiores desafios de Angola, um país com um contexto socioeconómico específico, marcado por profundas desigualdades e altos índices de pobreza. Desde a independência, os esforços do governo têm sido direccionados para minimizar o défice habitacional, que ultrapassa 2 milhões de unidades, conforme estimativas do Ministério das Obras Públicas, Urbanismo e Habitação. A criação de centralidades, como Kilamba, Sequele e Zango 8.000, é uma das maiores intervenções no sector habitacional, representando uma tentativa de organizar e urbanizar o crescimento desordenado das cidades.

Entretanto, apesar dos progressos, o modelo de pagamento adoptado para as centralidades está a ser amplamente criticado, principalmente por não ser acessível à maioria da população, que vive da economia informal ou possui rendimentos instáveis. O custo elevado das habitações e as condições de financiamento tornam os imóveis inacessíveis para uma grande parte da população, que, embora precise de habitação de qualidade, não consegue aceder ao mercado tradicional de crédito.

2. O Modelo de Pagamento em Angola: Desafios e Limitações

O modelo actual de venda directa com financiamento bancário, baseado em prestações mensais que se estendem por prazos de 20 a 30 anos, visa permitir o acesso à habitação mediante um financiamento a longo prazo. No entanto, esse modelo revela-se uma solução excludente, pois:

Elevado custo inicial: O valor das casas em muitas centralidades ultrapassa o rendimento médio das famílias de baixa e média renda.

Exigências bancárias: A exigência de acesso a crédito bancário, associado a altas taxas de juro, afasta muitos cidadãos, sobretudo aqueles que fazem parte da economia informal.

Falta de estrutura de pagamento: As famílias com rendimentos irregulares não possuem capacidade para comprometer-se com prestações longas.

Como Amartya Sen (2000) afirma, “a liberdade de viver em segurança e com dignidade é um dos pilares do desenvolvimento humano”, e isso implica o acesso à habitação digna. A habitação deve ser tratada como um direito social, não como um simples produto comercial. A realidade do modelo actual, no entanto, coloca a habitação num patamar inalcançável para muitos angolanos.

3. Lições de Experiências Internacionais: Modelos Inclusivos e Sustentáveis

Quando olhamos para exemplos internacionais, vemos que é possível implementar modelos habitacionais mais inclusivos e que atendem à realidade de países com contextos socioeconómicos semelhantes ao de Angola. Alguns exemplos importantes incluem:

3.1. O Caso Brasileiro: “Minha Casa, Minha Vida”

O Brasil, por meio do programa Minha Casa, Minha Vida (actualmente Casa Verde e Amarela), tem oferecido soluções habitacionais com subsídios directos a famílias com rendimentos abaixo de dois salários mínimos. Este modelo, segundo Maricato (2011), visa “incluir e não excluir”. O programa tem sido bem sucedido porque os subsídios garantem que as prestações mensais sejam simbólicas, o que torna o acesso à habitação mais equitativo e alinhado com as condições financeiras das populações mais carentes.

3.2. O Modelo de Arrendamento em Portugal: O Programa “1.º Direito”

Em Portugal, o programa 1.º Direito visa promover o acesso à habitação através da reabilitação urbana e do arrendamento com opção de compra, ajustando as rendas à capacidade financeira das famílias. Este modelo é adaptado à realidade económica dos beneficiários, permitindo-lhes pagar valores que não comprometam o seu orçamento familiar. A abordagem da reabilitação urbana contribui para a revitalização das zonas urbanas degradadas, ao mesmo tempo que oferece soluções habitacionais acessíveis.

3.3. O Reino Unido e o Modelo de Council Housing

No Reino Unido, as habitações sociais são disponibilizadas através do sistema de Council Housing, que funciona com rendas fixadas em uma percentagem da renda familiar (geralmente 30%). Este modelo é amplamente considerado como um bom equilíbrio entre o mercado e a justiça social, conforme explica Anthony Giddens (2009). Ele garante que os mais vulneráveis possam viver em condições dignas sem sacrificar outras necessidades básicas.

3.4. A Experiência de Cooperativas Habitacionais na África

Em vários países africanos, como Moçambique e Quénia, o conceito de cooperativas habitacionais tem sido implementado com grande sucesso. As famílias organizam-se em cooperativas que constroem as suas casas colectivamente (modelo de mutirão) e pagam o financiamento de forma acessível ao longo do tempo. Este modelo, segundo Jorge Wilheim (2003), implica uma “participação activa da comunidade na construção do espaço urbano, tornando a cidade mais inclusiva e solidária”.

4. Propostas para um Modelo Habitacional Mais Justo e Acessível em Angola

Tendo em vista as melhores práticas internacionais, propõem-se as seguintes estratégias para melhorar o modelo habitacional em Angola, com um enfoque na inclusão social e na justiça distributiva.

4.1. Segmentação por Rendimento Familiar

É imperativo que o modelo habitacional angolano seja segmentado de acordo com a capacidade económica das famílias. Este modelo de subsídio cruzado permitirá:

Isenção total para famílias de extrema pobreza.

Prestações reduzidas e ajustadas para trabalhadores informais e de baixa renda.

Condições especiais para famílias de média renda, com facilitação de acesso a crédito e financiamento a juros baixos.

4.2. Arrendamento Progressivo com Opção de Compra

Uma das propostas centrais para melhorar o acesso à habitação é o arrendamento progressivo, onde as famílias pagam uma renda mensal acessível durante um período definido, com a possibilidade de adquirir a habitação após determinado tempo. Este modelo facilita o acesso gradual à propriedade sem sobrecarregar financeiramente as famílias no início.

4.3. Trabalho Comunitário e Participação no Processo de Construção

Adotar o conceito de mutirão (trabalho comunitário), onde as famílias que adquirirem ou arrendarem as habitações participam activamente na construção e manutenção das infraestruturas. Além de reduzir o custo da habitação, este modelo cria um senso de comunidade e fortalecimento social. O esforço colectivo pode também ser recompensado com créditos habitacionais que possibilitem a redução do valor das prestações.

4.4. Implementação de Gestão Digital e Transparente

A criação de plataformas digitais para a gestão das candidaturas habitacionais, pagamentos e manutenção das habitações será uma forma de garantir transparência e eficiência. Essas plataformas permitirão a monitorização contínua do processo, evitando práticas de corrupção e garantindo que os recursos sejam correctamente alocados.

5. O Papel Crucial do Estado e dos Parceiros na Implementação do Novo Modelo

A implementação de um modelo habitacional mais justo exige um compromisso sério e uma vontade política sólida por parte do Estado angolano, bem como a colaboração de diversos actores:

Administrações locais: Devem ser capacitados para identificar as reais necessidades das comunidades e gerir os processos habitacionais de forma eficiente.

Instituições financeiras: O sector bancário deve desenvolver linhas de crédito acessíveis, adaptadas às condições da população de baixa renda.

Organizações comunitárias e ONGs: Estes actores podem desempenhar um papel importante na mobilização social e na formação de cooperativas habitacionais.

Parceiros internacionais: Organismos como o PNUD e a ONU-Habitat podem fornecer apoio técnico e financeiro para a implementação dos novos modelos.

6. Conclusão: Uma Nova Era para a Habitação Social em Angola

O actual modelo habitacional em Angola, baseado na venda directa com financiamento bancário, precisa urgentemente de ser revisto e adaptado à realidade socioeconómica do país. Inspirando-se em experiências internacionais bem-sucedidas, Angola tem a oportunidade de repensar a sua abordagem habitacional, promovendo inclusão social e justiça distributiva.

A habitação deve ser encarada como um direito humano fundamental e não como um privilégio. Com uma visão estratégica e a colaboração entre governo, sector privado e sociedade civil, é possível garantir que as centralidades deixem de ser um símbolo de exclusão e se transformem em espaços democráticos e acessíveis para todos os angolanos.

O momento de agir é agora. A transformação do mercado habitacional é não só uma necessidade ética e política, mas também uma oportunidade histórica de fazer avançar Angola rumo a uma sociedade mais justa e igualitária.

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