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Diplomas não bastam: a crise de carácter no recrutamento angolano

1. Introdução: A Nova Demanda das Organizações

Vivemos um tempo de transformações profundas nos modelos de gestão e nas exigências organizacionais. Num mercado altamente competitivo e dinâmico, os perfis tradicionais de profissionais baseados exclusivamente em competências técnicas já não respondem, por si sós, às exigências de inovação, trabalho em equipa e resiliência institucional. O mundo do trabalho, hoje, exige mais do que saber fazer — exige saber ser, saber conviver e saber adaptar-se.

O recrutamento moderno deve, portanto, ser compreendido como um processo de inteligência organizacional, no qual a selecção de talentos vai muito além dos currículos e diplomas. É necessário encontrar indivíduos capazes de gerar valor relacional, emocional e cultural dentro da estrutura institucional.

2. O Redefinir das Competências: Hard Skills vs. Soft Skills

As competências técnicas, também conhecidas como hard skills, são mensuráveis, adquiridas através de formação académica, cursos ou experiências profissionais. São indispensáveis, mas não suficientes. Conforme observa Idalberto Chiavenato (2014), “as competências técnicas garantem a execução do trabalho, mas são as competências humanas que garantem o sucesso no trabalho”.

Por outro lado, as chamadas soft skills — competências comportamentais, relacionais e emocionais — têm ganhado destaque na lógica do recrutamento contemporâneo. Como sublinha Daniel Goleman (1995), “a inteligência emocional explica até 80% do sucesso nas carreiras profissionais”. Ou seja, saber gerir emoções, trabalhar em equipa, ouvir, liderar com empatia e manter uma atitude resiliente são atributos cada vez mais valiosos.

3. As Fragilidades do Recrutamento Técnico-Tradicional

Durante décadas, as organizações focaram-se em indicadores formais como notas, certificados, experiência anterior e conhecimento técnico como critérios de contratação. Porém, esse modelo mostrou-se limitado. Muitos profissionais tecnicamente bem preparados fracassam no ambiente de trabalho por apresentarem dificuldades de relacionamento, resistência à mudança, ausência de ética e fragilidade na gestão de conflitos.

Stephen Robbins (2010) reforça esta percepção ao afirmar que “não basta ter competências técnicas; é preciso compreender o comportamento humano nas organizações para promover um ambiente saudável e produtivo”.

Em muitos contextos africanos, como em Angola, observamos que a ausência de competências comportamentais em gestores e quadros técnicos contribui para climas organizacionais tóxicos, baixa produtividade e fraco desempenho no serviço público e privado.

4. O Valor Estratégico das Competências Comportamentais

As competências comportamentais são, na essência, o motor da convivência e da sustentabilidade dentro de qualquer organização. São competências ligadas à inteligência emocional, à capacidade de colaboração, à ética, à resiliência, à comunicação interpessoal e à criatividade.

Peter Drucker, um dos pais da gestão moderna, afirmava: “Contrate pelo carácter, treine para a competência”. Ou seja, é mais fácil desenvolver capacidades técnicas em alguém que tenha valores sólidos, postura positiva e predisposição para aprender, do que tentar moldar o comportamento de um técnico com atitudes tóxicas ou arrogantes.

As empresas mais bem-sucedidas no mundo — de startups tecnológicas a multinacionais — valorizam hoje perfis de profissionais com espírito de equipa, compromisso, autonomia emocional e visão ética, independentemente da área técnica de actuação.

5. Recrutar é Interpretar Pessoas e Contextos

O acto de recrutar passou a ser uma prática mais interpretativa do que apenas técnica. Exige dos gestores e profissionais de Recursos Humanos uma sensibilidade para identificar talentos humanos alinhados com a missão e a cultura da organização.

Para isso, novos métodos são aplicados:

Entrevistas por competências comportamentais;

Testes de perfil psicológico;

Dinâmicas de grupo com foco em liderança e cooperação;

Simulações práticas;

Análise de valores pessoais e éticos.

Conforme Ram Charan (2017), “o futuro da liderança está em saber formar líderes. E isso começa com o recrutamento daqueles que têm não apenas capacidade técnica, mas comportamento exemplar”.

6. Cultura Organizacional e o Talento Certo no Lugar Certo

A chamada “aderência cultural” ou cultural fit tornou-se um conceito-chave no recrutamento moderno. Uma organização com cultura colaborativa, por exemplo, dificilmente conseguirá integrar com sucesso um profissional de perfil autoritário e centralizador, por mais competente que seja.

Peter Senge (1990), no seu clássico A Quinta Disciplina, defende que “as organizações que aprendem são aquelas compostas por pessoas comprometidas com a aprendizagem contínua e com a partilha de valores”. Ou seja, mais do que encaixar num cargo, o novo colaborador deve encaixar numa cultura e num propósito.

7. O Recrutamento em Angola: Desafios e Oportunidades

Em Angola, onde se vive uma fase de reestruturação da função pública e revitalização do sector empresarial, repensar os métodos de recrutamento é urgente. Ainda se observa uma cultura de contratação excessivamente formalista, em que o mérito comportamental não é valorizado com o mesmo peso que o mérito técnico.

É necessário implementar políticas de recursos humanos mais modernas, com foco na meritocracia integral, na integridade, na competência emocional e no compromisso com resultados. Como defende o economista Alves da Rocha, “não basta formar quadros; é preciso formar atitudes e consciências críticas”.

Iniciativas como concursos públicos mais transparentes, uso de entrevistas por competências e promoção da cultura organizacional são passos fundamentais para garantir quadros não apenas capacitados, mas também comprometidos com o desenvolvimento nacional.

8. Conclusão: O Recrutamento como Ato de Visão e Liderança

Recrutar é uma das actividades mais nobres e estratégicas da gestão de pessoas. Ao seleccionar um colaborador, a organização está a definir parte do seu futuro. Recrutar com foco apenas no saber técnico é correr o risco de investir em competências que logo se tornarão obsoletas. Recrutar com atenção às competências comportamentais é investir em talento com capacidade de evoluir, de colaborar, de inovar e de liderar.

O sucesso organizacional, hoje, depende de pessoas que saibam ouvir, comunicar, adaptar-se, respeitar o outro e resolver problemas com ética e criatividade. Como diz Simon Sinek, “você não contrata por habilidades; contrata por atitude. As habilidades você pode ensinar”.

Por isso, é imperativo que os líderes, gestores e profissionais de RH em Angola e em África compreendam que o recrutamento não é apenas um acto burocrático. É um acto de liderança, de visão e de construção de um futuro melhor.

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