segunda-feira , 28 abril 2025
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Gestão hospitalar em Angola: uma epidemia silenciosa

Angola vive um momento crucial de transformação social e económica, onde a qualidade dos serviços públicos, especialmente no sector da saúde, tornou-se uma das principais exigências da cidadania. O modelo actual de gestão hospitalar, predominantemente centralizado e burocrático, não tem respondido de forma eficaz aos desafios contemporâneos, caracterizados por um crescimento urbano desordenado, escassez de recursos humanos qualificados e ineficiências estruturais.

Neste artigo, propomos uma análise crítica sobre o actual modelo de gestão hospitalar em Angola, contrastando-o com práticas internacionais de sucesso e sugerindo caminhos alternativos ajustados à realidade social do país. Ao fazê-lo, defendemos a urgência de uma abordagem estratégica, integrada e orientada para resultados, com foco na humanização dos cuidados e na valorização do gestor hospitalar como figura central da transformação institucional.

1. O modelo angolano: entre a universalidade ideal e a prática limitada

Angola adopta formalmente um modelo de saúde de acesso universal, público e gratuito, baseado nos princípios da Constituição da República e do Sistema Nacional de Saúde. No entanto, a realidade prática está marcada por desigualdades no acesso, longas filas de espera, escassez de medicamentos, corrupção institucional e uma gestão deficiente dos recursos humanos e materiais.

Como destaca Antunes (2013), “um sistema de saúde que não possui um modelo de gestão eficaz transforma-se num reprodutor de ineficiências, perpetuando a exclusão social e comprometendo a confiança dos cidadãos”. É precisamente este o quadro que se verifica em várias unidades hospitalares do país, especialmente nas periferias urbanas e nas zonas rurais.

2. Modelos internacionais: lições úteis para o contexto angolano

Ao redor do mundo, diferentes países têm implementado modelos de gestão hospitalar que combinam eficiência, inovação e inclusão social. No Brasil, por exemplo, o modelo das Organizações Sociais de Saúde (OSS) permite parcerias público-privadas sob contratos de gestão com metas definidas e monitorização rigorosa dos resultados. Em Portugal, o modelo de hospitais EPE (Entidade Pública Empresarial) confere maior autonomia administrativa às unidades hospitalares, com responsabilidade pela qualidade dos serviços prestados.

Na África do Sul, políticas de descentralização da gestão hospitalar permitiram que governos locais tivessem maior capacidade de resposta às necessidades das comunidades. Já em Ruanda, a introdução de ferramentas digitais de planeamento e avaliação impulsionou melhorias significativas nos cuidados básicos de saúde.

Estas experiências internacionais demonstram que a autonomia, a contratualização de resultados, a transparência e o investimento em tecnologias de informação são factores críticos para uma gestão hospitalar moderna e eficaz — princípios que podem e devem ser adaptados ao contexto angolano.

3. Propostas para um modelo angolano de gestão hospitalar

A construção de um modelo de gestão hospitalar eficaz e socialmente responsável em Angola exige uma abordagem sistémica e participativa. Entre as propostas viáveis, destacam-se:

Autonomização dos hospitais públicos, através de estatutos próprios, com margens para gerir orçamentos, contratar pessoal e adquirir insumos, dentro de um quadro de responsabilização por resultados;

Introdução de contratos-programa entre o Ministério da Saúde e os hospitais, com definição clara de metas, indicadores de desempenho e auditorias regulares;

Reforço da transparência e da governança hospitalar, com conselhos de gestão participativos, incluindo representantes da sociedade civil e dos utentes;

Digitalização dos processos de gestão hospitalar, incluindo o prontuário electrónico, sistemas de compras e monitoramento de indicadores de qualidade;

Formação contínua dos quadros administrativos e clínicos, com foco em liderança, gestão de recursos, ética e inovação.

Estas propostas estão alinhadas com a visão de Kaplan e Norton (2004), para quem “a eficiência institucional deve ser resultado de estratégias claras, medição rigorosa de desempenho e capacidade de adaptação ao ambiente social e económico em constante mudança”.

4. O perfil ideal para o gestor hospitalar angolano

A excelência na gestão hospitalar exige mais do que formação técnica — requer um perfil multidisciplinar, ético e comprometido com o serviço público. O gestor hospitalar ideal deve ser um profissional com formação sólida em administração hospitalar, saúde pública, economia da saúde ou áreas correlatas, com forte capacidade de liderança, planeamento estratégico e gestão de pessoas.

Além das competências técnicas, é essencial que este gestor possua sensibilidade social e uma visão humanista, colocando o paciente no centro da gestão. Segundo Mintzberg (2001), “os líderes eficazes em instituições complexas como os hospitais não são apenas bons administradores, são também bons intérpretes do contexto social e cultural onde actuam”.

Em Angola, este perfil deve ser adaptado à realidade local, exigindo também conhecimento sobre os sistemas públicos, legislação nacional, gestão de recursos escassos e práticas de monitoria e avaliação. A fluência no uso de tecnologias de informação em saúde (como SIG-Saúde, prontuário electrónico e ferramentas de Business Intelligence) também se torna indispensável.

Para que esse perfil seja promovido, recomenda-se:

A criação de cursos de especialização e pós-graduação em Gestão Hospitalar, com parcerias internacionais;

A adopção de critérios de recrutamento baseados em mérito e competência, afastando interferências político-partidárias;

A valorização de planos de carreira que incentivem a permanência de gestores qualificados no sistema público.

Como defende Chiavenato (2005), “os resultados organizacionais são, acima de tudo, fruto de lideranças bem formadas, motivadas e comprometidas com a missão institucional”. Em contexto hospitalar, isto traduz-se em salvar vidas com eficiência, empatia e responsabilidade.

5. O papel da municipalização e das autarquias locais

A municipalização dos serviços de saúde, aliada à implementação das autarquias locais, representa uma oportunidade singular para descentralizar a gestão hospitalar em Angola. Os governos locais, mais próximos da realidade dos cidadãos, podem adaptar os serviços às necessidades concretas das comunidades, implementar políticas de saúde mais participativas e garantir maior controlo social sobre os recursos públicos.

Contudo, essa municipalização deve ser acompanhada por capacitação técnica, alocação de recursos e mecanismos de fiscalização, para que não se transforme num processo de mera transferência de responsabilidades sem condições reais de implementação.

6. Conclusão: por um pacto nacional pela saúde pública

Angola necessita de um novo modelo de gestão hospitalar que seja eficiente, justo, humanizado e tecnologicamente actualizado. Essa transformação exige um pacto nacional pela saúde pública, que envolva o Estado, as universidades, os profissionais da saúde, as comunidades e o sector privado.

Não se trata apenas de reformar estruturas, mas de transformar mentalidades, construir capacidades e fortalecer a confiança social nas instituições. Um sistema hospitalar bem gerido é a base de uma nação saudável, produtiva e com justiça social.

Como afirmou Florence Nightingale, pioneira da enfermagem moderna: “O hospital deve ser o melhor lugar para curar e o pior para morrer”. Que essa máxima inspire Angola a transformar os seus hospitais em centros de excelência, esperança e dignidade para todos os cidadãos.

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