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Inteligência Artificial cresce… e as soft skills desaparecem em Angola?

Vivemos tempos de transição acelerada, marcados por uma revolução tecnológica que redefine as estruturas económicas, as relações sociais e os próprios conceitos de trabalho e competência. A ascensão da Inteligência Artificial (IA), dos algoritmos e das automações tem provocado um fenómeno paradoxal: quanto mais avançamos em soluções técnicas, mais sentimos falta do que é profundamente humano. Em Angola, essa realidade é ainda mais crítica, considerando o nosso contexto de fragilidade institucional, desafios educativos e um mercado de trabalho em reconstrução.

1. O que nos resta quando as máquinas fazem (quase) tudo?

A IA já escreve textos, analisa dados, faz diagnósticos médicos e até gere carteiras de investimento. No entanto, como lembra Sherry Turkle (2011), “estamos a sacrificar a conversação em nome da conexão digital”. As tecnologias, embora poderosas, não possuem empatia, não compreendem o sofrimento humano, não escutam de forma compassiva nem inspiram confiança pela sua presença. E é justamente nestas lacunas que as soft skills se tornam essenciais.

O World Economic Forum, no relatório The Future of Jobs (2020), aponta que as habilidades mais valorizadas para 2025 são, sobretudo, comportamentais e cognitivas, tais como a criatividade, a empatia, o pensamento analítico, a resolução de problemas complexos e a liderança com influência social. Isso não é um acaso. Trata-se de uma resposta natural ao desequilíbrio entre o avanço técnico e o atraso humanista.

2. Angola e a miopia tecnocrática

Angola, ao investir em transformação digital — com iniciativas como a digitalização dos serviços públicos, a introdução do ensino à distância e o uso crescente de plataformas digitais nas empresas — corre o risco de cair na armadilha da “miopia tecnocrática”. Isto é, um modelo de modernização que aposta em ferramentas e infra-estruturas, mas negligencia o capital humano. Como adverte Edgar Morin (2000), “é impossível pensar uma reforma da sociedade sem uma reforma do pensamento”. E o pensamento que valoriza apenas o técnico é um pensamento amputado.

No nosso país, ainda é comum vermos os processos de formação dominados por uma lógica conteudista, excessivamente centrada em provas e certificações, com pouca ênfase na escuta activa, na empatia organizacional e na liderança transformacional. Mas como gerir equipas em ambientes multiculturais e economicamente desiguais sem inteligência emocional? Como inovar em ambientes voláteis sem criatividade e tolerância à frustração?

3. A relevância do lazer, da convivência e da experiência emocional

O lazer, muitas vezes visto como luxo ou perda de tempo, pode ser uma escola de competências humanas. Como defende Martha Nussbaum (2010), o desenvolvimento humano pleno passa pela capacidade de experimentar emoções, imaginar realidades diferentes e valorizar o outro como fim em si mesmo. Viagens, momentos de desconexão, intercâmbios culturais e espaços de convivência são ambientes privilegiados para o fortalecimento das soft skills.

É nesse sentido que políticas organizacionais mais humanizadas e inclusivas — como programas de bem-estar, incentivos ao voluntariado, dinâmicas de team building e horários flexíveis — podem fortalecer a resiliência, a escuta activa e o espírito de colaboração dentro das organizações angolanas.

4. Educar para além da técnica

A educação angolana, desde a base até ao ensino superior, precisa urgentemente de reorientar os seus currículos. O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han (2015) alerta para o risco de uma sociedade “neurótica pela performance”, onde tudo é produtividade, métricas e autoexploração. Nesse cenário, as escolas e universidades não devem formar apenas “executores de tarefas”, mas sim cidadãos críticos, criativos, éticos e emocionalmente equilibrados.

Formar alguém em Angola, hoje, não pode limitar-se a preparar para o mercado de trabalho formal (que ainda é restrito), mas sim para a vida em sociedade, com todas as suas contradições, desigualdades e complexidades. Como afirmou Paulo Freire, “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção” — e isso só é possível num ambiente onde o humano é reconhecido e valorizado.

5. A urgência de uma viragem humanista nas organizações angolanas

A cultura organizacional angolana, especialmente nas instituições públicas, ainda é marcada por modelos hierárquicos rígidos, comunicação autoritária e pouca abertura para inovação social. A ausência de escuta, o medo de errar e o individualismo institucionalizado são sintomas de uma crise de liderança. Liderar, hoje, é muito mais do que mandar: é inspirar, acolher, cuidar e dialogar.

Como bem sintetiza Simon Sinek (2014), “os melhores líderes são aqueles que fazem os outros sentirem-se seguros e valorizados”. E isso não se ensina em tutoriais de YouTube nem se codifica em linhas de algoritmo. É preciso prática humana, presença emocional e relações autênticas.

6. Conclusão: o que o futuro não vai automatizar?

O futuro do trabalho em Angola — e no mundo — será menos sobre o que sabemos fazer e mais sobre como nos relacionamos com os outros e com o mundo. Seremos valorizados não apenas pela eficiência, mas pela empatia. Não apenas pela lógica, mas pela ética. Não apenas pelo currículo, mas pela humanidade.

Investir em soft skills é investir na sustentabilidade emocional das equipas, na qualidade das decisões, na harmonia das comunidades e no desenvolvimento genuíno da nação. Porque, como nos lembra Viktor Frankl, “entre o estímulo e a resposta, existe um espaço. E nesse espaço reside o nosso poder de escolha e de crescimento”.

E é neste espaço — humano, imperfeito e relacional — que reside o verdadeiro diferencial de Angola no século XXI.

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