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LESTE DE ANGOLA: A Crise de Representação no MPLA

 

No quadro político angolano contemporâneo, evidencia-se uma tensão crescente entre o centro e a periferia do poder. Esta tensão tem raízes profundas no processo de construção do Estado pós-colonial, caracterizado por um forte centralismo, por uma elite política oriunda maioritariamente de Luanda e pelo descompasso entre a riqueza das províncias e o seu real poder de influência. A situação das Lundas (Norte e Sul), do Moxico e da região Leste é um reflexo deste desequilíbrio estrutural.

Estas regiões, geograficamente distantes da capital e culturalmente diferenciadas, têm sido historicamente marginalizadas dos centros de decisão, ainda que sejam fundamentais para a economia nacional, nomeadamente pelo seu potencial mineiro, florestal, agrícola e geoestratégico. Este artigo visa expor e analisar a crise de representação política vivida nas margens de Angola, focando-se na acentuada exclusão das comunidades locais, sobretudo das etnias Chokwe, Lunda, Luvale e Mbunda, no seio da governação do MPLA.

A Construção do Estado e a Periferização das Províncias do Leste

A Independência Nacional, conquistada a 11 de Novembro de 1975, instaurou um regime político orientado pelo MPLA, que assumiu a liderança da governação de Angola até aos dias de hoje. Inspirado inicialmente pelo marxismo-leninismo, o partido adoptou um modelo de Estado fortemente centralizado, com tendência para a homogeneização das diversas identidades étnico-culturais.

Como sustenta Achille Mbembe (2001), o Estado africano pós-colonial frequentemente perpetua a lógica colonial de “centro versus periferia”, mantendo as regiões periféricas como espaços de extracção de riqueza e submissão política. No caso angolano, as Lundas e o Moxico continuam a ocupar esse lugar subordinado, onde o poder político chega mais pela imposição do que pela negociação participativa.

A Invisibilidade dos Povos do Leste

As províncias do Leste são habitadas por grupos etnolinguísticos que contribuíram de forma significativa para a resistência anticolonial, mas que, paradoxalmente, foram depois empurrados para os bastidores da política nacional. Os povos Chokwe, Luvale, Lunda, Luchazi e Mbunda representam culturas com uma estrutura política e simbólica própria, mas pouco valorizada no discurso oficial da Nação.

Como afirma Claude Ake (1996), “a democracia e o desenvolvimento em África só podem ser autênticos se baseados na realidade histórica e cultural das suas comunidades”. Porém, em Angola, essas comunidades têm sido tratadas como exóticas ou folclóricas, quando não como ameaça, sobretudo quando manifestam descontentamento com a exclusão de que são alvo.

Diamantes, Desigualdade e a Economia de Pilhagem

A riqueza mineral, particularmente os diamantes das Lundas, deveria ser uma bênção para o desenvolvimento local. No entanto, o que se observa é um verdadeiro paradoxo dos recursos naturais. A exploração diamantífera tem beneficiado elites políticas e empresariais ligadas ao centro do poder, enquanto as populações locais enfrentam pobreza extrema, degradação ambiental, militarização das zonas mineiras e restrições severas à mobilidade.

Ferguson (2006) observa que, em contextos africanos, os projectos extractivos frequentemente actuam como “ilhas de riqueza desconectadas do território circundante”. Isto é visível nas Lundas, onde as empresas mineiras operam como enclaves, reforçando a lógica da exclusão territorial.

A informalidade, o garimpo artesanal, a repressão policial e a ausência de programas de desenvolvimento sustentado reforçam um sentimento generalizado de abandono e revolta. Muitos jovens são empurrados para actividades ilegais ou migram para outras províncias, criando um vazio social no seio dessas comunidades.

O MPLA e a Representação Política Falaciosa

Embora o MPLA afirme ser um partido nacional, com representação em todo o território, a sua estrutura interna revela uma centralização excessiva, onde a participação dos cidadãos das províncias do Leste é mais simbólica do que efectiva. Os comités provinciais funcionam muitas vezes como extensões da lógica do partido central, reproduzindo directrizes sem espaço para a criatividade ou crítica local.

Em quase meio século de governação, nenhum dos presidentes do MPLA – e, consequentemente, da República de Angola – teve origem nas províncias do Leste, como as Lundas ou o Moxico. Este facto não é apenas revelador de um desequilíbrio geográfico, mas de uma exclusão histórica de elites locais dos centros de decisão estratégica.

Além disso, a presença de naturais destas regiões em cargos-chave do aparelho do Estado, tais como ministros, secretários de Estado, governadores e membros influentes do Comité Central do MPLA, é visivelmente reduzida, sendo as nomeações mais orientadas por interesses de controlo político do que por critérios de representatividade territorial.

Segundo Jean-François Bayart (1993), o poder em África organiza-se através de uma “política do ventre”, onde os recursos e as nomeações são distribuídos para garantir fidelidade, e não participação real. Nas Lundas e no Moxico, observa-se uma prática política baseada em nomeações de quadros sem representatividade comunitária, resultando numa governação desconectada dos problemas reais da população.

Juventude, Cultura Política e Exclusão

A juventude das margens, apesar de ser maioria populacional, continua fora dos processos formais de decisão. O sistema partidário angolano não tem sido capaz de criar canais efectivos de escuta e empoderamento da juventude. A exclusão tem gerado apatia política, desconfiança e, em alguns casos, radicalização discursiva contra o Estado.

Como alerta Paulo Freire (1970), “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é tornar-se opressor”. A juventude das Lundas e do Moxico vive um dilema: ou adere passivamente ao sistema vigente ou rejeita-o completamente, ficando vulnerável à manipulação ou ao isolamento.

O Desafio do Reconhecimento e da Descentralização Real

A crise de representação do Leste angolano é, em última instância, uma crise do modelo de Estado. A centralização, a dependência do petróleo e dos diamantes, a militarização do território e a ausência de uma política de desenvolvimento regional sustentada têm alimentado um ciclo vicioso de exclusão.

É necessário repensar Angola a partir das suas margens. Como defende Arend Lijphart (1999), sistemas democráticos sustentáveis em contextos multiculturais requerem partilha de poder, federalismo funcional e representação proporcional. A inclusão real das Lundas e do Moxico implica:

Reformar o sistema de partidos para permitir a emergência de lideranças locais autênticas;

Garantir o retorno dos recursos naturais ao território sob a forma de serviços sociais e infra-estrutura;

Apostar numa política pública de valorização das línguas e culturas locais;

Promover uma descentralização efectiva com orçamentos próprios e participação cidadã real.

Conclusão: Angola Só Será Uma Quando as Suas Margens Forem Centro

A unidade nacional não pode ser construída sobre o silenciamento de identidades. A narrativa da paz e da reconstrução pós-guerra deve ser complementada por uma narrativa de justiça, inclusão e reconhecimento. O MPLA, enquanto partido governante, tem a responsabilidade histórica de reconciliar-se com as províncias do Leste não apenas com promessas, mas com mudança estrutural.

A democratização da representação, a justiça distributiva e o respeito pela diversidade cultural são pilares de um novo contrato social. A crise de representação nas Lundas e no Moxico é um apelo à consciência nacional: uma Angola verdadeiramente unida não se pode dar ao luxo de ignorar o seu Leste.

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