segunda-feira , 28 abril 2025
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No Rio, carnaval virtual promove folia digital e revela novos talentos

A história do biólogo Ewerton Fintelman de Oliveira com o carnaval virtual começou na adolescência, quando viu em uma notícia de jornal o anúncio das escolas de samba virtuais campeãs. Ewerton, que faz doutorado em ciências biológicas na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), é o atual presidente da Liga Independente das Escolas de Samba Virtuais (Liesv), uma das duas representações que organizam os desfiles das agremiações digitais. 

Pioneira, a Liesv foi criada em 2002 por um grupo de amigos entusiastas do samba e do carnaval. O primeiro desfile foi no ano seguinte, 2003, com participação de seis escolas, duas das quais, Imperial do Samba, de São Paulo, e Colibris, do Rio de Janeiro,  continuam a competir virtualmente e vão se apresentar em julho. A Colibris tem como inspiração a Beija-Flor de Nilópolis, vencedora do Grupo Especial do Rio de Janeiro neste ano. 

A cada dois anos, um presidente e quatro vice-presidentes são eleitos para a estrutura administrativa da liga. Além da presidência e da vice-presidência, a Liesv conta com conselho de administração, diretoria jurídica e um conselho de avaliação das novas escolas de samba virtuais. As escolas representadas pela liga são divididas em dois grupos, o especial e o de acesso. Cada agremiação tem pelo menos três cargos – presidente, intérprete e carnavalesco –, que podem ser exercidos pela mesma pessoa.

“Organizamos todo mundo para manter o projeto, manter a chama acesa, mesmo sendo cada vez mais difícil se manter visível na internet”, diz Ewerton sobre o papel da Liesv no carnaval virtual. 

A Liga

No início da Liesv, os sambas eram cantados à capela (sem acompanhamento instrumental) e transmitidos pelo programa de software Yahoo! Messenger, o que afetava a qualidade dos áudios.

Na edição deste ano, 35 escolas de samba virtuais desfilarão pela liga. Serão 20 agremiações do grupo especial e 15 do de acesso, além das escolas convidadas, que não serão julgadas. As quatro últimas colocadas do grupo especial caem para o grupo de acesso no próximo ano, e as quatro mais bem avaliadas do acesso sobem para o especial em 2026. 

“A tendência é que as escolas convidadas abram o desfile, fazendo apresentações de 15 a 25 minutos, com uma a três alegorias e com oito a 12 alas. É mais enxuto, mas tem a mesma visibilidade que as outras escolas”, explica o presidente da Liesv. Segundo Ewerton, o carnaval virtual diferencia-se do real pela pluralidade das escolas e dos foliões, que não se concentram somente nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, tradicionalmente reconhecidos pelo que apresentam na  Marquês de Sapucaí e no Sambódromo do Anhembi, respectivamente.

“Tem escola da Paraíba, de Pernambuco. Não que não exista essa centralização no Rio de Janeiro e em São Paulo. É claro que tem uma concentração, mas o Brasil todo faz carnaval conosco”, ressalta Ewerton. Ele destaca que existem escolas que competem nos desfiles físicos e têm também a versão virtual, como a Mocidade Unida da Mooca. Uma das campeãs do grupo de acesso de São Paulo neste ano, a agremiação foi a vencedora do grupo especial da Liesv em 2024, com o enredo Direitos da Terra

“É muita diversidade. É um orgulho que tenho, ver tanta diversidade de pessoas, de regiões, de temáticas e de características das agremiações. Quando se tem o carnaval em nível de Brasil, e já tivemos escolas de outros países também, vemos essa diversidade. O carnaval virtual é um desses recortes de culturas diversas”, complementa o presidente da Liesv.

O presidente da Carnaval Virtual (CAV), Diego Araújo, também diz que se orgulha de ter escolas de vários estados, e não apenas do Rio ou de São Paulo. A CAV, que reúne escolas de samba virtuais de diferentes regiões, surgiu em 2015, a partir de uma divisão entre membros da Liesv. 

“Temos pessoas de todos os cantos do Brasil e nos orgulhamos de ter uma agremiação de um brasileiro que vive na Europa, mas que mantém sua escola de samba virtual em atividade. Também temos dois carnavalescos argentinos que atuam em escolas do grupo especial da Carnaval Virtual. Temos a alegria de dizer que o carnaval virtual não tem fronteiras geográficas.”

Fundador da escola de samba virtual Império do Progresso, em atividade desde 2004, Diego destaca a presença de mulheres como intérpretes nas agremiações virtuais. Um exemplo é a cantora, atriz e dubladora Thatiane Carvalho, da Império do Progresso, que é intérprete de apoio da Imperatriz Leopoldinense, que ficou em terceiro lugar no grupo especial do Rio este ano.

Diego ressalta que, na Carnaval Virtual, há cinco ou seis cantoras e também mulheres presidentes, carnavalescas e ocupando postos em todos os níveis de atuação nas agremiações. “É um orgulho para nós, porque, se o carnaval real ainda não acredita nas mulheres, o carnaval virtual está de portas abertas para que elas ocuparem esses lugares com o devido respeito e valorização.”

Atualmente, a CAV tem 59 agremiações filiadas, das quais 20 competem no grupo especial, 16 no de acesso 1 e 23 no de acesso 2. Da mesma forma que na Liesv, os desfiles são realizados por uma administração formada por um presidente e três diretores.

Desfiles

As apresentações virtuais serão realizadas em novembro, começando pelas escolas do grupo de acesso 2. Nas três divisões, cinco quesitos são julgados: enredo, samba-enredo, fantasia, alegoria e conjunto. Nos grupos especial e de acesso 1, quatro jurados avaliam as escolas, enquanto no de acesso 2, três especialistas dão nota para as agremiações. Nas três divisões, a menor nota é descartada, e a avaliação é feita como no carnaval real.

A ordem dos desfiles será sorteada em 30 de agosto; o grupo de acesso 2 se apresentará em 1º de novembro; o de acesso 1, nos dias 8 e 9; e o especial, nos dias 22 e 23 do mesmo mês. A apuração das notas está prevista para 7 de dezembro.

A transmissão das apresentações é feita simultaneamente pelo site da Carnaval Virtual e pelo perfil da liga no YouTube. “No site, as pessoas têm acesso direto às passarelas de desfile das escolas, que são individuais, mas, no dia da apresentação, unimos todas conforme a ordem do desfile. No YouTube, ancoramos a equipe de transmissão e os comentaristas”, descreve o presidente da CAV.

De acordo com Diego, o formato atual dos desfiles virtuais busca simular o carnaval real, com a concentração e a dispersão das escolas e os repórteres. “Tentamos fazer uma transmissão dinâmica, fluída, porque os desfiles, dependendo do grupo e da quantidade de escolas, levam de 6 a 8 horas de transmissão. Então, hoje, os desfiles são realizados nos fins de semana, por volta das 16h ou 17h, e se estendem até a 1h, dependendo do número de agremiações.”

Novos profissionais

Mais que um ambiente de diversão e experimentação, o carnaval virtual também é um espaço de formação para seus dirigentes, que ressaltam a importância do evento ao preparar novos profissionais. Muitos, com o tempo, encontram oportunidades no carnaval real, como Diego. Além de presidente da CAV e fundador da Império do Progresso, ele trabalha como enredista das escolas de samba Unidos do Porto da Pedra e Bambas do Ritmo.

“Queríamos muito, quando a liga surgiu, que ela fosse justamente essa janela para o carnaval real, que pudéssemos transformar essa brincadeira em um portfólio audiovisual para muitos artistas. Temos profissionais espalhados em todos os cantos hoje.” A CAV, segundo seu presidente, tem diversos profissionais que atuam nas passarelas não só do Rio e de São Paulo, mas também de outros estados.

Figurinista e carnavalesco, Rômulo Roque é um exemplo de profissional formado no meio digital. Com início na Acadêmicos da Zona Oeste e há seis anos na Império do Progresso, descobriu o carnaval virtual em uma publicação na rede social Orkut, desativada em 2014, que buscava desenhistas. Para Rômulo, a folia virtual serviu como treinamento e aperfeiçoamento de seus desenhos, assim como uma forma de “se divertir” com enredos que poderiam não ser tão bem aceitos no carnaval tradicional. 

“As semelhanças entre o carnaval virtual e o real ficam mais na questão dos sambas e dos enredos. A parte dos desenhos é um pouco mais imaginativa, com mais liberdade e sem os limites financeiros do carnaval físico, por exemplo”. Rômulo observa, no entanto, que o carnaval virtual, por ser “um produto para um público muito específico”, enfrenta dificuldades de atingir um número maior de audiência. Ele ressalta que o próprio carnaval tradicional já enfrenta dificuldades com isso. “Em alguns momentos, houve, sim, uma adesão maior do público, mas foi por causa de fatores como escolas do mundo real desfilando no carnaval virtual.”

De acordo com Ewerton, para o carnaval virtual, o principal desafio é a falta de fomento, já que, diferentemente do carnaval físico, não conta com investimentos públicos. Neste ano, por exemplo, o governo do Rio destinou mais de R$ 90 milhões a 42 municípios para o carnaval. Apenas na Marquês de Sapucaí, foram destinados R$ 40 milhões para o grupo especial, R$ 16 milhões para o grupo de acesso e R$ 11 milhões para os eventos que antecederam o carnaval.

“Isso me entristece, porque vejo que são 22 anos formando talentos, levando cultura, entretenimento, fazendo as pessoas felizes e mudando vidas, embora ainda existam muitas barreiras no campo de vista burocrático que nos impossibilitam de concorrer a um edital de cultura. No momento, o principal impedimento do carnaval virtual ter maior projeção está nesse fato”, diz o presidente da Liesv.

*Estagiária sob supervisão de Gilberto Costa

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