A crescente proliferação dos portais electrónicos de notícias representa um fenómeno disruptivo no campo da comunicação social, associado à transformação digital e à convergência dos media. A emergência destes veículos digitais, caracterizados por velocidade, interactividade e alcance massivo, impõe novos paradigmas à regulação da imprensa e à garantia dos direitos fundamentais, especialmente o direito à informação veraz e à liberdade de expressão.
Entretanto, a ausência de marcos regulatórios específicos, a actuação por vezes anárquica e a insuficiente fiscalização tornam-se factores propulsores da disseminação de desinformação, discursos de ódio e manipulação política, que podem comprometer a estabilidade democrática e a coesão social (McQuail, 2010; Ward, 2018).
Este artigo tem por objectivo analisar o quadro jurídico vigente relativo à legalização e fiscalização dos portais electrónicos de notícias, comparando experiências lusófonas e internacionais, e propor um arcabouço técnico para medidas punitivas eficazes que garantam um ambiente informativo ético, transparente e sustentável.
1. Panorama Legal e Normativo dos Portais Electrónicos de Notícias*
1.1. Contextualização em Angola e no Espaço Lusófono
Em Angola, o regime jurídico da comunicação social está balizado pela Lei da Imprensa (Lei n.º 1/17, 2017), que determina o licenciamento obrigatório para qualquer entidade que exerça actividade jornalística, incluindo os portais electrónicos. O artigo 7.º estabelece que a Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA) é responsável pelo registo, fiscalização e aplicação de sanções.
Portugal, através da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), implementa regulação que, além do registo formal, enfatiza o cumprimento do Código Deontológico dos Jornalistas e a observância da liberdade e da responsabilidade (Carvalho, 2019). Cabo Verde segue modelo semelhante, com foco na protecção do pluralismo e integridade do ecossistema mediático.
Contrariamente, o Brasil, amparado pela Constituição Federal de 1988, opta por um modelo de autorregulação, sem exigência de licenciamento prévio, delegando a fiscalização à sociedade civil e a órgãos independentes como o Conselho de Comunicação Social, com medidas administrativas e judiciais para o combate à desinformação (Pereira, 2020). A África do Sul possui um sistema híbrido, combinando autorregulação com intervenção estatal limitada, assegurando liberdade e responsabilidade.
1.2. Fundamentos Teóricos da Regulação Midiática Digital
Segundo McQuail (2010), a regulação dos media deve perseguir três objectivos primordiais: garantir o pluralismo e diversidade, proteger os direitos fundamentais dos cidadãos e assegurar a qualidade e veracidade da informação. A “regulação democrática” deve ser pautada pela transparência, proporcionalidade e independência, conforme preconizado por Habermas (2006), que defende uma esfera pública estruturada para garantir o debate racional e informado.
Ward (2018) destaca a importância da regulação “por camadas”, combinando regras estatais, autorregulação profissional e mecanismos tecnológicos para a detecção de abusos.
2. Medidas Punitivas e Mecanismos de Fiscalização: Análise Comparada e Propostas Técnicas
2.1. Estrutura do Controlo Regulatório
A eficácia do controlo sobre portais electrónicos passa pela articulação de instrumentos jurídicos e tecnológicos. Entre eles destacam-se:
Licenciamento e registo formal:
Criação de um cadastro actualizado e público dos portais, contendo informações sobre responsáveis legais e linhas editoriais (ERCA, 2021).
Monitorização contínua: Uso de sistemas de inteligência artificial para análise de conteúdos suspeitos, facilitando a identificação de fake news, discurso de ódio e violações éticas (Silva & Oliveira, 2022).
Sanções graduadas: Adoção de um sistema escalonado de penalidades, que inclui advertências, multas progressivas, suspensão temporária e revogação definitiva da licença.
Direito de resposta e retratação:
Mecanismo legal obrigatório para corrigir conteúdos inverídicos, minimizando danos reputacionais e garantindo a reparação da verdade (Borges, 2020).
2.2. Exemplos de Sanções e Casos Práticos
Angola:
A ERCA já aplicou multas superiores a 1 milhão de Kwanzas a portais que difundiram notícias caluniosas e sem apuração rigorosa, baseando-se nos artigos 22 e 23 da Lei da Imprensa. Além disso, foi emitida ordem de suspensão temporária para portais que incitaram ao desrespeito à ordem pública durante períodos eleitorais (Gonçalves, 2021).
Portugal:
O ERC dispõe de uma matriz de penalidades que prevê multas de até 150 mil euros, suspensão de emissões e obrigações de publicação de retratações. Em 2019, o portal “XYZ” foi suspenso por três meses após veicular reportagens sem apuração, violando o Código Deontológico (Carvalho, 2019).
Brasil:
Destaca-se a multa de R$ 500 mil aplicada a um portal por disseminação sistemática de fake news durante eleições presidenciais, seguida de decisão judicial que determinou a suspensão temporária das publicações até o restabelecimento da conformidade (Pereira, 2020).
África do Sul:
A Autoridade de Regulação de Media (ASA) suspendeu o funcionamento de uma rede de portais acusados de incitação ao racismo, aplicando penalidades que incluíram a cassação da licença e ações penais contra responsáveis (Moyo, 2018).
3. Desafios e Recomendações Técnicas para o Futuro da Regulação
3.1. Desafios
Limites da intervenção estatal: A necessidade de evitar a censura e preservar a liberdade de expressão exige um equilíbrio delicado, que deve ser pautado por princípios internacionais, como os da ONU e da UNESCO (2019).
Capacitação técnica da entidade reguladora: Para acompanhar a dinâmica digital, a ERCA e órgãos equivalentes devem investir em recursos humanos qualificados e ferramentas tecnológicas avançadas.
Cooperação internacional:
Considerando a transnacionalidade dos conteúdos digitais, a colaboração entre reguladores é fundamental para o combate eficaz à desinformação e crimes digitais.
3.2. Propostas
Implementação de sistemas automatizados de monitorização de conteúdos, com inteligência artificial e machine learning, para detecção precoce de violações.
Criação de um código de conduta para portais electrónicos com normas claras e de fácil consulta pública, incluindo cláusulas específicas sobre conteúdos sensíveis, privacidade e ética.
Fortalecimento dos mecanismos de participação cidadã e canais para denúncias anónimas e efectivas.
Estabelecimento de parcerias com plataformas internacionais para identificação rápida de conteúdos ilícitos e coordenação na aplicação de sanções.
Portanto, a regulação dos portais electrónicos de notícias é uma peça-chave para assegurar a integridade do ambiente informativo digital. Angola, alinhando-se às melhores práticas internacionais e às experiências lusófonas, deve avançar no fortalecimento da ERCA, adotando medidas técnicas rigorosas e proporcionais, que contemplem o licenciamento formal, monitorização contínua, aplicação progressiva de sanções e garantia do direito de resposta.
Como ressalta McQuail (2010), a confiança pública no jornalismo digital depende não só da liberdade, mas da responsabilização dos agentes informativos. A implementação de uma estrutura regulatória técnica e robusta contribuirá decisivamente para que os portais electrónicos desempenhem seu papel social, respeitando a ética e consolidando a democracia digital em Angola e na lusofonia.
O conteúdo PORTAIS DIGITAIS: Liberdade de Expressão ou Instrumento de Controlo Estatal? aparece primeiro em Correio da Kianda – Notícias de Angola.
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