A saúde é reconhecida globalmente como um direito fundamental do ser humano e, como tal, a sua provisão e sustentabilidade são preocupações centrais para os governos. A equidade no acesso a serviços de saúde, a qualidade no atendimento e a adequação dos recursos financeiros são questões que desafiam países de todas as regiões do mundo. Em Angola, um país que ainda enfrenta desafios estruturais significativos, os sistemas de saúde enfrentam dificuldades adicionais devido à falta de recursos, desigualdades no acesso aos serviços e deficiências na gestão e financiamento. Contudo, o país tem feito progressos, e é possível encontrar soluções que não só atendam às necessidades de saúde da população, mas também contribuam para um sistema sustentável e inclusivo.
1. O Contexto Nacional: Insuficiência Estrutural
O sistema de saúde de Angola, apesar de grandes avanços nas últimas décadas, ainda depende fortemente do financiamento público proveniente do Orçamento Geral do Estado (OGE), que, por sua vez, está intimamente ligado à performance do sector petrolífero, a principal fonte de receita do país. Essa dependência tem suas limitações, como fica claro durante períodos de baixa nos preços do petróleo, que afetam directamente a capacidade do governo de financiar a saúde de forma adequada.
De acordo com o Banco Mundial (2022), Angola investe apenas cerca de 2,5% do seu PIB na área da saúde, um valor muito abaixo da recomendação da Declaração de Abuja (2001), que propõe que os países africanos aloque pelo menos 15% do orçamento público para a saúde. Essa suborçamentação impacta directamente a qualidade do atendimento médico e a cobertura de serviços, especialmente em regiões mais remotas do país, onde a infraestrutura de saúde é ainda mais deficiente.
Além disso, as disparidades regionais são evidentes. Enquanto as principais cidades, como Luanda, beneficiam de um acesso mais amplo e melhor equipado a serviços de saúde, as zonas rurais enfrentam uma escassez alarmante de médicos, enfermeiros e instalações adequadas. A cobertura de saúde na área rural permanece um dos maiores desafios do país, onde as comunidades são muitas vezes forçadas a recorrer a serviços de saúde improvisados ou a pagar por cuidados privados.
A falta de um sistema de saúde financiado de maneira universal e sustentável tem levado os cidadãos a recorrerem ao financiamento privado, o que é uma fonte adicional de desigualdade. De acordo com o Global Health Observatory (2020), mais de 50% dos gastos em saúde em Angola são pagos directamente pelos cidadãos, o que representa uma carga financeira pesada para grande parte da população.
2. A Realidade do Financiamento Global da Saúde: Modelos de Sucesso
Para desenvolver um modelo de financiamento eficaz e sustentável para o sistema de saúde de Angola, é imperativo observar as melhores práticas em outros países. A experiência global oferece uma gama de soluções que variam em termos de estrutura e abordagem, mas que partilham o objectivo comum de proporcionar cobertura universal e sustentabilidade financeira.
a) Reino Unido – Financiamento Público via Impostos
Um dos exemplos mais emblemáticos de financiamento sustentável na área da saúde é o Serviço Nacional de Saúde (NHS) do Reino Unido. O NHS é um sistema financiado inteiramente por impostos gerais, o que significa que todos os residentes contribuem de acordo com a sua capacidade financeira e recebem cuidados de saúde gratuitos no ponto de uso. O sistema é eficiente e permite que o país consiga cobrir uma população de mais de 66 milhões de pessoas com um dos orçamentos mais baixos da Europa, com um custo per capita inferior ao de outros países desenvolvidos.
Para Edwards (2020), a chave do sucesso do NHS reside na sua gestão centralizada, no controlo dos custos através de uma regulação rigorosa e na priorização de cuidados primários. Isso permite que os recursos sejam usados de forma eficiente, evitando o desperdício e garantindo a máxima cobertura para a população.
b) França – Modelo Misto com Seguros Sociais
A França oferece um modelo híbrido que combina financiamento público com um sistema de seguros sociais obrigatórios. O Sistema Nacional de Saúde Francês financia uma grande parte dos cuidados médicos, mas os cidadãos devem subscrever seguros de saúde adicionais, geralmente oferecidos por empresas ou instituições privadas, que complementam o financiamento público.
Segundo Mossialos et al. (2017), a força desse sistema reside no seu equilíbrio entre solidariedade social e responsabilidade individual. O modelo francês assegura que todos os cidadãos, independentemente da sua capacidade de pagamento, tenham acesso a cuidados de saúde adequados, ao mesmo tempo em que distribui os custos de forma equitativa.
c) Alemanha – Sistema Bismarckiano
A Alemanha adopta um modelo Bismarckiano, baseado em seguros de saúde obrigatórios, com contribuição de empregadores e empregados, cada um pagando uma percentagem do salário para financiar o sistema de saúde. Este modelo descentralizado permite que as diferentes seguradoras competem pela eficiência e pela qualidade dos serviços prestados, enquanto o governo regula os preços e garante o acesso universal.
Como aponta Busse & Blümel (2014), a concorrência entre as seguradoras tem um impacto positivo na eficiência do sistema, com o governo garantindo um equilíbrio entre o sector privado e público, o que resulta em controlo dos custos e inclusão universal.
d) Japão – Universalização com Eficiência
O Japão alcançou a cobertura universal de saúde na década de 1960, com um sistema de seguros obrigatórios, onde cada residente deve contribuir para um seguro de saúde, seja público ou privado. Este modelo tem-se mostrado extremamente eficiente, permitindo ao Japão não apenas alcançar altos índices de saúde, mas também manter os custos de saúde relativamente baixos em comparação com outras nações desenvolvidas.
O sucesso japonês é, em grande parte, atribuído à sua regulação rigorosa dos custos, particularmente os dos medicamentos e serviços médicos, além do forte foco na prevenção. Segundo Ikegami (2019), a prevenção tem um impacto significativo na redução dos custos de saúde a longo prazo, uma lição importante para países em desenvolvimento, como Angola.
e) Ruanda – Exemplo Africano Inspirador
No continente africano, Ruanda oferece um exemplo notável de um sistema de saúde comunitária financiado por mutuais de saúde. O modelo, lançado na década de 2000, tem sido eficaz em cobrir uma parte significativa da população, particularmente nas zonas rurais. As famílias contribuem com pequenas quantias, e o governo oferece subsídios, com o apoio de organizações internacionais, para garantir a cobertura universal.
Como observam Binagwaho & Scott (2016), esse sistema tem sido bem-sucedido na redução das desigualdades no acesso à saúde e na melhoria dos indicadores de saúde do país, demonstrando que é possível criar modelos de saúde sustentável e inclusivo, mesmo em contextos de recursos limitados.
f) Costa Rica – Um Caso Latino-Americano
A Costa Rica implementou um sistema de saúde universal financiado por impostos e contribuições sociais. O país conseguiu manter altos níveis de saúde pública e baixos custos administrativos, devido ao seu foco na atenção primária e prevenção. Com uma expectativa de vida semelhante à de países desenvolvidos, a Costa Rica é frequentemente citada como um exemplo de sucesso para outras nações em desenvolvimento.
Para Barillas (2018), a principal lição que a Costa Rica oferece é a construção de confiança nas instituições públicas e a valorização do bem-estar social, aspectos fundamentais para garantir a efectividade de políticas públicas.
3. Os Limites do Sistema Angolano: Pagamentos Directos e Iniquidade
Em Angola, um dos maiores desafios no sistema de saúde é a dependência de pagamentos directos pelos cidadãos. Estes custos são elevados e representam uma grande carga para as famílias, especialmente para as mais pobres. Este modelo de financiamento gera desigualdade, pois aqueles que não podem pagar os custos exigidos são frequentemente excluídos de cuidados adequados, exacerbando as desigualdades sociais.
Como Amartya Sen (2002) afirma, as desigualdades em saúde não são uma fatalidade, mas sim o reflexo de escolhas políticas e sociais. Portanto, um sistema de saúde sustentável deve ser inclusivo e garantir que ninguém seja excluído por questões financeiras.
4. Caminhos para a Sustentabilidade em Angola
Para garantir a sustentabilidade do sistema de saúde em Angola, é necessário explorar diferentes fontes de financiamento público e privado e encontrar soluções inovadoras e ajustadas às condições locais. Algumas possíveis abordagens incluem:
a) Diversificação das Fontes de Financiamento
A criação de mecanismos alternativos, como impostos sobre produtos nocivos à saúde (tabaco, álcool), e a exploração de fundos soberanos de saúde baseados em receitas provenientes do petróleo podem contribuir para o financiamento da saúde. Além disso, a parceria com o sector privado e com organizações internacionais também pode ser uma fonte adicional de recursos.
b) Implementação de um Seguro Nacional de Saúde
A criação de um sistema nacional de seguro de saúde pode ser uma forma eficaz de garantir cobertura universal. O seguro deve ser obrigatório e ter contribuições progressivas, de acordo com a capacidade económica dos cidadãos, garantindo que as classes mais pobres também tenham acesso a serviços de saúde de qualidade.
c) Atenção Primária e Prevenção
Focar na atenção primária e na prevenção pode ser uma das formas mais eficazes de reduzir os custos a longo prazo. Sistemas como os de Cuba e Costa Rica demonstram que é possível alcançar bons resultados de saúde com investimentos em prevenção e cuidados primários.
d) Transparência e Gestão Eficiente dos Recursos
A gestão eficiente e a transparência no uso dos recursos públicos são fundamentais para garantir a sustentabilidade do sistema. O combate à corrupção, a qualificação da gestão pública e o uso de tecnologias digitais para a gestão da saúde são passos cruciais para melhorar a eficiência e a cobertura de saúde.
5. Conclusão: Uma Nova Visão é Possível
Construir um sistema de saúde sustentável e eficaz em Angola exige uma transformação estrutural do sector, que vá além do aumento de recursos financeiros e inclua mudanças nos processos de gestão, inovação no financiamento e fortalecimento das políticas públicas. Ao olhar para os exemplos de países como o Reino Unido, Japão, Ruanda e Costa Rica, é possível identificar soluções que podem ser adaptadas à realidade angolana.
A saúde deve ser tratada não como uma despesa, mas como um investimento no bem-estar da população e no desenvolvimento do país. A saúde sustentável é um compromisso com o futuro das próximas gerações e um reflexo da justiça social que todos os cidadãos merecem. Como afirma Michael Marmot (2010), “as desigualdades em saúde podem ser corrigidas, pois elas são resultado de escolhas políticas. Por isso, podemos e devemos agir para transformar a realidade actual.”
O conteúdo Sistema de Saúde de Angola: entre a crise financeira e a falta de soluções sustentáveis aparece primeiro em Correio da Kianda – Notícias de Angola.
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