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Sudão em agonia: dois anos de conflito e o imperativo da Paz

Hoje, 15 de Abril de 2025, o Sudão assinala dois anos desde o início de uma guerra civil que mergulhou o país numa das piores crises humanitárias do século XXI. O conflito, que opõe as Forças Armadas Sudanesas (SAF), lideradas por Abdel Fattah al-Burhan, às Forças de Apoio Rápido (RSF), comandadas por Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti, não é apenas uma luta pelo poder, mas um drama complexo com raízes históricas, dinâmicas regionais e consequências globais. Como especialista em Relações Internacionais e analista político, considero imperativo reflectir sobre o desenrolar desta tragédia, os entraves à sua resolução e as medidas necessárias para restaurar a paz num país que clama por justiça e estabilidade.

Um Conflito Enraizado na História e na Ambição

O conflito eclodiu em abril de 2023, mas as suas origens remontam à instabilidade que marcou o Sudão desde a independência, em 1956. A queda de Omar al-Bashir, em 2019, após três décadas de regime autoritário, trouxe esperança numa transição democrática. Contudo, o golpe de Estado de 2021, perpetrado por uma aliança instável entre SAF e RSF, interrompeu esse processo, revelando tensões latentes entre as duas forças. A rivalidade explodiu numa guerra aberta, inicialmente centrada em Cartum, mas que rapidamente se alastrou a Darfur, Cordofão e Nilo Azul, reacendendo clivagens étnicas e regionais.

Os números são devastadores: mais de 60 mil mortos, 10 milhões de deslocados internos e 2 milhões de refugiados em países vizinhos, como Chade e Sudão do Sul. A crise humanitária é avassaladora. Cerca de 25 milhões de sudaneses metade da população enfrentam insegurança alimentar, com casos de fome extrema em campos como Zamzam, em Darfur. O colapso do sistema de saúde, com 80% das unidades inoperacionais, agrava a vulnerabilidade de milhões, enquanto relatos de atrocidades, incluindo violência sexual e ataques a civis, chocam a consciência global.

A guerra não se limita às fronteiras sudanesas. Potências regionais e globais complicam a equação: as SAF recebem apoio do Egito e da Rússia, enquanto as RSF beneficiam do financiamento dos Emirados Árabes Unidos, atraídos por recursos como ouro e petróleo. Esta internacionalização transforma o Sudão num palco de rivalidades geopolíticas, onde interesses externos frequentemente sobrepõem-se ao sofrimento do povo sudanês.

Entraves à Resolução: Um Puzzle Complexo

A resolução do conflito enfrenta obstáculos profundos. Primeiro, a desconfiança absoluta entre SAF e RSF. Ambas as facções perseguem objectivos inconciliáveis, com as SAF a reclamarem legitimidade estatal e as RSF a consolidarem poder económico e territorial. Negociações, como as mediadas pela Arábia Saudita em Jeddah ou pela Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD), resultaram em tréguas efémeras, violadas quase de imediato.

Segundo, a fragmentação do conflito agrava a instabilidade. Além das duas forças principais, grupos rebeldes, como o Movimento de Libertação do Povo do Sudão-Norte (SPLM-N), e milícias locais intensificam a violência, sobretudo em Darfur, onde persistem tensões étnicas. Esta multiplicidade de actores torna qualquer acordo abrangente numa tarefa hercúlea.

Terceiro, a resposta internacional tem sido lamentavelmente insuficiente. Em 2024, apenas 20% dos 2,7 mil milhões de dólares solicitados pela ONU para ajuda humanitária foram angariados. A atenção global, desviada para crises como as da Ucrânia e Gaza, relegou o Sudão para as margens da agenda internacional, reduzindo a pressão diplomática sobre as partes beligerantes. Por fim, interesses externos perpetuam a guerra. O fluxo de armas e financiamento, aliado ao acesso a recursos estratégicos, garante às facções meios para prolongar os combates, numa lógica de guerra por procuração.

Caminhos para a Paz: Uma Abordagem Multidimensional

Apesar da gravidade da situação, a paz é possível com uma estratégia concertada. Primeiro, urge reforçar a mediação internacional. A União Africana (UA) e a IGAD, com apoio das Nações Unidas, devem liderar um processo inclusivo que envolva não apenas SAF e RSF, mas também grupos rebeldes, sociedade civil e comités de resistência sudaneses. Estes últimos, que têm desempenhado um papel crucial na assistência comunitária, são indispensáveis para garantir que as vozes das populações afectadas sejam ouvidas.

Segundo, é essencial impor sanções direccionadas e um embargo de armas rigoroso. O Conselho de Segurança da ONU deve sancionar líderes militares responsáveis por atrocidades e bloquear o comércio de armas que alimenta o conflito. Pressionar actores externos, como os que financiam as RSF, é igualmente crítico para reduzir a escalada.

Terceiro, a resposta humanitária deve ser priorizada. A comunidade internacional precisa de aumentar o financiamento para ajuda alimentar, cuidados de saúde e protecção de deslocados. A expansão de corredores humanitários, como a passagem de Adré na fronteira com o Chade, é vital para alcançar populações isoladas. Sem uma intervenção urgente, a fome e as doenças continuarão a ceifar vidas.

Por fim, a longo prazo, a paz exige a reconstrução da governação. Um processo político inclusivo, que retome a transição democrática interrompida em 2021, é fundamental. A criação de instituições legítimas, a desmilitarização do poder e a implementação de justiça transitiva inspirada, por exemplo, no Acordo de Paz de 2005 entre Norte e Sul são passos necessários para abordar as causas estruturais do conflito e evitar novos ciclos de violência.

Um Apelo à Solidariedade Global

O Sudão enfrenta uma crise que ameaça não apenas a sua sobrevivência enquanto nação, mas a estabilidade de toda a região do Corno de África. Ignorar esta tragédia seria uma falha moral e estratégica. A comunidade internacional, incluindo Portugal e a União Europeia, tem a responsabilidade de actuar. A história julgar-nos-á não pelas palavras, mas pelas acções que tomarmos para apoiar o povo sudanês na sua luta por dignidade e paz.

A guerra no Sudão não é um problema distante é um teste à nossa humanidade colectiva. Cabe-nos exigir mais financiamento humanitário, maior pressão diplomática e um compromisso genuíno com a inclusão e a justiça. Só assim poderemos transformar o segundo aniversário deste conflito num ponto de inflexão, não numa mera efeméride de sofrimento.

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