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Tributação em Angola: mercado de oportunidades ou armadilha para os contribuintes?

1. Introdução: O Novo Cenário Tributário Angolano

A tributação nunca foi apenas uma questão técnica: ela está no centro da relação entre o Estado e a sociedade. Em Angola, num cenário de reconstrução nacional e de diversificação económica, o sistema tributário emerge como um dos pilares para o financiamento das políticas públicas, a promoção da justiça social e o fortalecimento da soberania nacional.

Nos últimos anos, o Governo angolano tem implementado diversas reformas, incluindo a actualização do Código Geral Tributário, a modernização da Administração Geral Tributária (AGT) e o combate à evasão fiscal. Porém, estas mudanças só produzirão resultados efectivos se houver uma forte mobilização de todos os actores do ecossistema tributário — tanto os profissionais técnicos como as instituições judiciais e associativas.

Como defende Sacha Calmon Navarro Coelho (2017), “o tributo é instrumento de política pública, e não apenas fonte de receita”. Assim, o fortalecimento do mercado tributário é um caminho inevitável para a consolidação do Estado democrático de direito em Angola.

2. A Nova Era dos Profissionais Tributários

A crescente sofisticação da actividade económica e a complexificação das relações tributárias exigem o surgimento de uma nova geração de profissionais capacitados, éticos e tecnicamente actualizados. Este novo perfil inclui:

Contabilistas e consultores fiscais: responsáveis pela conformidade, planeamento e assessoria fiscal preventiva;

Advogados tributários: especializados no contencioso administrativo e judicial, assim como na arbitragem tributária;

Economistas fiscais e financeiros: actuando na análise de impactos tributários e modelação de políticas fiscais;

Inspectores tributários e auditores fiscais: reforçando a capacidade de fiscalização e de controlo da arrecadação;

Peritos aduaneiros: essenciais no comércio internacional e na interpretação dos tratados fiscais;

Actuários e analistas de risco fiscal: cada vez mais importantes na gestão tributária estratégica;

Especialistas em tecnologia aplicada à tributação (compliance digital e blockchain fiscal).

Conforme alerta Ricardo Lobo Torres (2010), “o profissional tributário não pode ser apenas conhecedor da lei; deve ser, sobretudo, intérprete dos princípios constitucionais que informam a tributação”.

Em Angola, é fundamental que estas profissões sejam reguladas e formadas à luz da realidade local, sem copiar mecanicamente modelos estrangeiros, mas adaptando boas práticas internacionais à especificidade do contexto angolano.

3. A Necessidade de Educação Fiscal e Literacia Tributária

O fortalecimento do mercado tributário angolano não se fará apenas pela actuação técnica dos profissionais, mas também pela disseminação da cultura tributária junto da sociedade civil.

Segundo Paulo de Barros Carvalho (2008), “não existe cidadania plena sem consciência tributária”. Assim, programas de educação fiscal devem ser dirigidos tanto a empresários quanto a cidadãos comuns, estimulando a compreensão de que pagar impostos é parte essencial da construção colectiva do país.

Centros de estudos tributários, campanhas de literacia fiscal, inclusão do ensino tributário nos currículos escolares e a actuação activa das associações empresariais serão fundamentais para alterar a percepção social negativa sobre a tributação.

4. Instituições de Resolução de Conflitos Tributários: Um Pilar de Estabilidade

A complexidade dos conflitos tributários exige a criação e o fortalecimento de instituições especializadas, que proporcionem soluções céleres, técnicas e imparciais para os litígios entre o fisco e os contribuintes.

Angola já ensaia alguns passos, como a institucionalização de centros de arbitragem tributária. Contudo, é necessário ir além:

Estabelecer Tribunais Fiscais Especializados em todas as províncias;

Consolidar os Centros de Resolução de Conflitos Tributários sob tutela conjunta dos Ministérios da Justiça dos Direitos Humanos e das Finanças;

Integrar a mediação tributária nos processos de regularização fiscal.

Luiz Eduardo Schoueri (2012) ensina que “um sistema tributário eficiente depende não apenas de boas leis, mas de mecanismos céleres de resolução de controvérsias”. Sem isso, cresce a desconfiança dos contribuintes e a resistência à conformidade voluntária.

Além disso, estas instituições devem assegurar princípios como a imparcialidade, a ampla defesa e o contraditório, conforme determina a Constituição da República de Angola.

5. A Fiscalização Inteligente: Caminhos para uma Administração Tributária Moderna

A modernização da fiscalização tributária passa necessariamente pela incorporação de tecnologia de ponta e pelo aperfeiçoamento da formação dos inspectores tributários. Em vez de acções meramente repressivas, deve-se fomentar uma fiscalização educativa e inteligente.

Inspirando-se em Tipke (2000), podemos afirmar que “a eficácia do sistema fiscal está ligada à justiça da fiscalização”. Uma administração tributária moderna precisa utilizar:

Big Data fiscal para detectar padrões de evasão;

Blockchain para rastrear operações financeiras;

Sistemas de auditoria electrónica para aumentar a transparência;

Inteligência Artificial para análise preditiva de risco fiscal.

Em Angola, o investimento em tecnologia tributária já começou, mas precisa ser ampliado para alcançar os padrões das administrações fiscais mais avançadas do mundo.

6. O Papel das Associações Empresariais, Aduaneiras e de Tributação

As Associações Empresariais, Aduaneiras e de Tributação devem ser actores protagonistas no fortalecimento do mercado tributário angolano.

Não apenas como defensores dos interesses das classes empresariais, mas também como:

Agentes de educação tributária;

Facilitadores de compliance fiscal;

Mediadores de conflitos entre associados e a Administração Tributária;

Proponentes de políticas fiscais justas e equilibradas.

A criação de núcleos técnicos de apoio fiscal dentro das associações permitirá uma assessoria permanente aos empresários, diminuindo riscos de autuações, contenciosos e penalidades.

7. O Desafio da Ética Tributária: Um Compromisso de Todos

A ética fiscal deve ser o fio condutor de toda a actuação no mercado tributário.

Planeamentos tributários abusivos, fraudes fiscais e corrupção dentro das administrações públicas corroem a confiança social e aumentam o custo do desenvolvimento.

Como lembra Klaus Tipke (2000), “a tributação injusta é a maior ameaça à legitimidade do Estado fiscal”.

Em Angola, o combate à corrupção fiscal deve ser reforçado com:

Formação ética contínua dos profissionais tributários;

Sanções rigorosas para a evasão e fraude fiscal;

Incentivos para a conformidade voluntária e a regularização fiscal espontânea.

8. Conclusão: Um Futuro Tributário Sólido para o Desenvolvimento de Angola

O mercado tributário em Angola vive uma fase de intensa transformação. Esta é uma oportunidade histórica para criar um sistema tributário justo, eficiente e inclusivo, capaz de financiar os sonhos colectivos do país: a educação, a saúde, a infra-estrutura e a justiça social.

A mobilização de contabilistas, advogados, economistas, inspectores, peritos aduaneiros, actuários e instituições de resolução de conflitos tributários deve ser encarada como prioridade nacional.

Trata-se de um projecto que exige coragem política, investimento em conhecimento, compromisso ético e visão estratégica de longo prazo.

Como dizia Montesquieu, citado por Sacha Calmon, “a liberdade política consiste no facto de que um cidadão pode gozar tranquilamente aquilo que possui”. Para que isso se torne realidade em Angola, é necessário consolidar um sistema tributário que seja, ao mesmo tempo, fonte de receitas públicas e instrumento de realização da dignidade humana.

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